domingo, 3 de janeiro de 2016

RECUPERANDO GOSTOSURAS


Os biscoitinhos da minha infância, disputados por primos e irmãos...






Eu até hoje não lembro muito bem quando exatamente comecei a me interessar por comida. Ou quando os sabores dos alimentos e seus aromas começaram a caminhar juntinhos com afeto, carinho e acolhimento. Talvez a lembrança mais antiga, como já falei aqui antes, seja a das balinhas de cupuaçu que me encantaram ainda muito, muito pequena e que só recentemente consegui resgatar. Uma de minhas primeiras produções foi o refresco de banana comprida (feito com água, açúcar e pedaços amassados de banana), degustado por meu pobre pai, primeiro e talvez único consumidor da gororoba.

Sempre gostei imensamente de ler. E comecei muito cedo, com uns cinco anos, a devorar tudo que tivesse letras, fossem elas arrumadas nas histórias em quadrinhos, fotonovelas, romances ou contos de fada. Eu não fazia distinção. Onde chegava, a primeira coisa a fazer era uma pesquisa na casa. Se encontrasse livros, o mundo já parava ali. Se as pessoas fossem íntimas, eu já saía com algum emprestado debaixo do braço.

Talvez por isso, muito pequena ainda, devorasse os livros de culinária comprados por minha mãe. As duas ou três coleções eram divididas por assunto: doces, canapés, docinhos de festa, sobremesas e por aí vai. Particularmente, minha preferida eram "As Receitas de Mamãe Dolores". Na capa, uma negra, gorda, com um turbante, talvez a relembrar que os tempos de escravidão ainda estavam longe de acabar, pelo menos na imaginação preconceituosa da editora.

E meu pai, exímio cozinheiro, sempre produziu almoços e jantares muito simples, mas deliciosos. O arroz precisava balançar na panela, nada de "unidos venceremos". O pirarucu ao leite com batatas era um dos meus preferidos. Como não gosto de misturar caldo e arroz no mesmo prato (vai entender porque adoro baião de dois), enchia uma tigelinha de arroz, que ia ao lado da porção de pirarucu. E havia os charutos impecáveis feitos por ele.

Feijão com jabá e banana comprida, macarronada, umas saladinhas simplérrimas cujo repolho até hoje não consegui reproduzir o corte superfino, os pastéis e "cascalhos" (sobras de massa fritas e passadas no açúcar e canela), tudo era bom. Minha mãe, ao contrário dele, nunca gostou de cozinhar. Mas tem seus pratos memoráveis para nós, que crescemos com o lombo cheio, as tortas de banana comprida e café, as panquecas e arroz de forno...

Ainda pequena, comecei a me aventurar no fogão. Sem nenhum incentivo. Nunca tive obrigação de produzir nada, era uma quase inútil. Mas gostava de experimentar, às vezes testar uma ou outra receitinha, cujos ingredientes, naquela Rio Branco antiga e numa casa simples, calhava de eu encontrar no armário. Muitas vezes o negócio desandava. Não dava o ponto certo. Mas aí eu não insistia, tentava outra coisa.

E não sei como, fazia pequenas criações. Havia um picadinho com creme de leite que devia ser parente do strogonoff, feito em pequenas porções. E uma tal bolinha de leite que eu precisava esconder no armário. Essa era feita com leite de gado in natura e açúcar até começar a queimar de leve o fundo da panela e secar bastante, até virar uma pasta. Então era enrolada em pequenas bolinhas e escondida. Levava um tempo enorme para ser feita e não rendia quase nada, mas como era boa!

Mas, única rebenta em uma família de quatro irmãos, com uma montanha de primos e primas, também brinquei e brinquei muito. Manja (pega-pega), macaca (amarelinha), bandeirinha, papagaio (pipa), bafo (de figurinhas), corrida de bicicletas, concurso de miss e o que mais a imaginação criativa de crianças da era pré-computador mandasse. Pulei muita cerca para roubar fruta madura e corri todos os quilômetros que a saúde permitia.
Nada contra (ou quase tudo contra) nossos pequenos robozinhos de hoje, que mal piscam ao lado de seus pais e mães, também munidos de celulares de última geração.

Não sou saudosista. Cada época, suas cores. E suas dores. Resta a nós não sucumbir por completo ao whatsapp e a esse mundo internáutico em que vivemos. E dar aos pequenos a chance de correr, conhecer patos e galinhas de verdade, saber como se planta um feijão. Não só com os joguinhos de fazenda e similares. Já estaria de muito bom tamanho levá-los a uma livraria de quando em vez. Faz diferença, pode apostar.

E, de quebra, deixe-os se aventurar na cozinha. Minha priminha Catherine, de 11 anos, filha de minha prima Rejane, estava hoje mandando mensagens para a tia Rose (pelo whatsapp, of course,  em um dos seus bons usos) de uma macarrão feito em ninhos, com molho, direto no forno, lindo! E meu sobrinho Arthur já sabe fazer um bom arroz e picar verduras com toda a competência. 

E como já contei por aqui, reencontrei alguns sabores perdidos de infância, resgatados por uma amiga de colégio, a Isabel, doceira das mais competentes. Ela faz entre outras delícias, um biscoitinho que chamamos aqui de bem-casado. Não aquele feito com pão de ló e recheado de doce de leite para os casamentos. O da nossa cidade é um biscoitinho recheado com goiabada e passado em açúcar fino. Quando eu era criança, fazia uma receita semelhante, que eu chamava de casadinhos.

Esse biscoitinho era a minha cara. Eu o produzia em pequenas quantidades e era uma disputa ferrenha dos irmãos para comê-lo. Acho que comecei a fazê-lo aí pelos 9, 10 anos de idade. Lembro qe o fiz uma vez para dar de presente à uma prima que acabava de ter nenê e estava chegando na família. Era a minha maneira de dar as boas-vindas. Não lembro quando parei de fazer esse biscoitinho. Esqueci a receita, que talvez tenha vindo de um dos livros de minha mãe, mas nunca consegui localizá-la. E aí, esses dias, comecei a fechar os olhos e me ver pequena medindo as quantidades com muito cuidado. Senti o sabor, a massa nas mãos...e fui anotando. E deu certo!! 

É delicioso puro, sem recheio. Com a goiabada, então...use medidas padrão, rasas, é uma receitinha bem exata, que faz uma pequena quantidade. Basta aumentá-la, mantendo as proporções. 

Bem-casados acreanos (ou meus casadinhos de infância)

Ingredientes

05 colheres de sopa de farinha de trigo sem fermento
03 colheres de sopa de amido de milho
1 1/2 colheres de sopa de açúcar refinado
1 1/2 colheres de sopa de óleo (usei o de milho)
1 1/2 colheres de sopa de manteiga sem sal (se usar manteiga com sal, não coloque a pitada abaixo)
1 pitada de sal
goiabada em pasta, de boa qualidade ou geleia feita em casa
Açúcar refinado quanto baste, para passar os biscoitos
Papéis próprios para embalar

Modo de fazer

Preaqueça o forno por uns dez minutos, a 180 graus. Numa tigela, misture todos os ingredientes, exceto a goiabada, até que fiquem bem homogêneos. Não amasse demais, para que não fiquem duros. Pegue porções da massa e abra entre duas folhas de filme plástico, com um rolo, levemente. Corte os biscoitos com cortador próprio ou improvise com a boca de uma pequena xícara, por exemplo. Delicadamente, coloque-os na assadeira, mantendo um pequeno espaço entre eles. Asse-os por alguns minutos, até as beiradas começarem a ficar levemente coradas. Retire a assadeira do forno e aguarde alguns minutos para soltá-los,senão eles quebrarão. Retire-os com cuidado, espere esfriar bem. Recheie-os com a goiabada, passe-os rapidamente no açúcar e embale-os imediatamente. Sirva-os com um café forte, sem açúcar. É uma delícia! Engorda, mas é bom!!

      

2 comentários:

  1. Dúvidas: é preciso untar a assadeira? é preciso embalar, ou podem ser guardados num pote?

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    1. Oi, Laura,
      obrigada por sua leitura. Não é necessário untar a assadeira, pois a massa contém gordura suficiente. É necessário entretanto, que se deixe esfriar um pouco e tenha bastante cuidado para soltá-los, o que pode ser feito com a ponta da faca. Eles são bem delicados. Eles ficam bem crocantes sem o recheio, em pote bem vedado. Quando se coloca o recheio, a tendência é que a umidade deixe os biscoitos mais moles, por isso é importante embalar. Aconselho também o uso de uma goiabada mais firme, para diminuir a umidade. Um beijão e obrigada,
      Patrycia

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