domingo, 26 de janeiro de 2014

IRMÃ MADALENA E A COSTURA DA PACIÊNCIA

Irmã Madalena, sempre sorridente, com a caixinha de música para costurar paciência, ao lado do meu marido Marcos Afonso e eu


Conheci Irmã Madalena ainda criança, aí pelos meus doze anos de idade, quando ela foi minha professora de Artes na sexta série, no colégio Imaculada Conceição, de freiras católicas. Lembro muito bem da calça boca de sino que eu usava quase todos os dias nesta época, com listras rosadas em tons diferentes e do jardim interno da nossa escola, onde as aulas aconteciam, numa sala próxima. Essa área da escola não era liberada para todo mundo e só podia ir ali quem "tinha negócio". Por isso era para mim meio que um jardim secreto e colorido.

Irmã Madalena, da Congregação Servas de Maria Reparadora,  sempre foi uma santa, para aturar com bom humor e mão enérgica, aqui e ali, toda sorte de meninos e meninas loucos para fazer travessuras, explodindo de energia acumulada. Não que fôssemos insolentes. Nada disso. Eu lembro que era até muito quieta. Mas imaginem turmas de 12 a 15 anos tendo aulas de artes em 1977 e vocês terão ideia do que ela tinha pela frente.

Com suas aulas aprendi a fazer um fantoche e grude para colar o que fosse preciso, pois era mais acessível e não gastava os minguados salários de nossos pais com cola branca. Colocava-se jornal de molho e depois de uns dias passava-se com água no liquidificador, espremia-se e depois juntava-se cola, formando uma massa que era modelada em cima de um saco redondo cheio de milho para formar a cabeça. Depois de seco, pintávamos e colocávamos roupinhas e enfeites.

Foi nessa época que acabei com toda a coleção de fronhas e lençóis brancos que minha mãe havia comprado para abastecer a casa. Irmã Madalena também dava aulas de pintura e como eu adorava pintar, a cada lição eu corria para o guarda-roupa de casa, puxava uma fronha ou lençol ainda na embalagem e com um ou outro na mão, rumava para a aula. Lá, os enchia de frutas e flores, cujas pinceladas tinham sempre o olhar benevolente da Irmã. Ainda bem que minha mãe era compreensiva e a aluna não de todo má, de maneira que não se criou nenhuma tragédia, para minha sorte.

Passei muitos anos sem ver Irmã Madalena e quando voltei para o Acre, descobri que ela é muito amiga da família de meu atual marido, além de devota de Nossa Senhora de Guadalupe, por quem tenho especial carinho. Trabalhadora aos extremos, esse doce de pessoa sempre deu sua contribuição onde foi requisitada, tendo passado vários anos no hospital Santa Juliana, aqui no Estado, em Portugal e em várias localidades Brasil afora, espalhando seu sorriso e sua alegria. Sempre me senti criança de novo, além de bem protegida,  em todas as vezes que a encontro.

Mas nesses dias, soubemos que a Irmã está enferma, repousando para sua recuperação. Nada que tire  o seu sorriso e sua esperança. E ao fazermos uma visita, meu marido e eu nos emocionamos muito com a história de sua vida e com sua fé inabalável. Hoje com setenta e poucos anos, Madalena era ainda uma menina de família muito humilde, vinda do Ceará para tentar a sorte por aqui, quando decidiu ser freira, após ter acesso à vida de Joana Angélica.

Morando em um ramal longe da cidade, quando conseguiu convencer os pais, pegou um dos irmãos e saiu pela mata ainda de noite. Um pouco assustada, resolveu pernoitar na floresta até que o dia clareasse e conseguiu chegar ao convento da cidade para se apresentar, na manhã seguinte. Isso foi em Sena Madureira, cidade do interior do Acre. Tanto insistiu que conseguiu convencer o bispo local de sua vocação, após ser pega ajoelhada na igreja fazendo promessa para todos os santos presentes, de um por um. Perguntamos para ela se em algum momento teve dúvidas do caminho escolhido. A resposta veio rápida e firme: "Nunca!". Irmã Madalena toca piano, pinta, borda e ainda cozinha, tendo feito inúmeros cursos no Rio, em Santa Catarina e outras localidades do Brasil.

Descobri que a herança cearense a fez abrir mão de um presente. Minha sogra, ao viajar para o Nordeste uma época, recebeu a dica: "Neuza, se é de você trazer para mim algum presente, eu troco por castanha de caju!!" E ao conversarmos sobre receitas nesta visita, descobri que sua paixão por nata deu origem a um biscoitinho, famoso entre as freiras. A veia de cozinheira foi imediatamente atiçada: "Irmã, não teria a senhora esta receita?"

Pois na próxima visita não é que ela estava com uma folhinha de caderno na mão, com a preciosa receita anotadinha e tudo? Havia pedido a alguém que fizesse a busca e conseguiu localizar esta e uma outra receita, cuja foto anexo a  este post. Meu marido, sempre que a visitamos, leva flores. Ela ri, encantada e diz que todo mundo pergunta quem a está mimando. Da última vez que estivemos com ela, recuperava-se do tratamento, mas sem reclamar de nada. Levamos uma caixinha de música que por uma dessas incríveis coincidências, reproduz a música "Pour Elise", de Beethoven, que ela toca ao piano e que era a música com que um irmão a recebia, sempre que o visitava.




A caixinha fez o maior sucesso, por imitar de forma muito perfeita uma máquina de costura, com pedal e tudo. Mas o sucesso maior foi pela frase com que meu marido entregou o presente para ela: "Irmã, esta máquina é para a senhora costurar paciências..." Estamos agora com todas as energias voltadas para sua recuperação, que esperamos que aconteça breve. Fiz a receitinha como a original, usando nata caseira e salgada. Usei 1/2 colher de sopa do fermento, mas não recomendo. Substituí na receita original para 1 colher de chá, mas resolvi testar também sem o fermento e achei o resultado melhor. 

Fiz outros dois testes, desta vez usando nata industrializada, da marca Balkis. Em um deles, mantive as proporções da receita original, apenas tirei o fermento. No outro, inverti as quantidades de farinha e amido de milho. Neste caso, precisei colocar um pouquinho mais de amido, farinha e açúcar (1 colher de sopa de cada e 1/2 colher de sopa de açúcar) e ficou uma massa mais macia. É um biscoitinho mais rústico, que você não deve manusear demais, para que a massa não fique dura. Das opções que testei, achei melhor a receita original, sem o fermento. Então, mãos à obra, ainda dá tempo de fazer para o domingo! Bom apetite!










Biscoitinhos de nata da Irmã Madalena (adaptada)

Ingredientes

02 xícaras de farinha de trigo
01 xícara bem cheia de amido de milho
01 xícara de nata
01 xícara de açúcar
01 colher de sopa de manteiga
01 colher de chá de fermento em pó (achei melhor o resultado sem o uso do fermento)
01 pitada de sal

Modo de fazer

Misture todos os ingredientes apenas até homogeneizar, enrole em bolinhas e arrume na assadeira, sem untar. Achate as bolinhas com um garfo, coloque em forno moderado pré-aquecido por uns dez minutos ou até assar. Esse biscoito não fica dourado, só a base escurece um pouquinho, por isso preste atenção ao forno. Aguarde esfriar e coloque-os em potes bem vedados ou em saquinhos de celofane para dar de presente. Experimente com chá, café ou chocolate quente!

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Para ouvir:

Uma das versões de Pour Elise, de Beethoven: 
http://www.youtube.com/watch?v=yAsDLGjMhFI

Outra versão, mais parecida com a caixinha de música:
https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=4389074753650099561#editor/target=post;postID=9218871653757797679;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=0;src=postname

sábado, 18 de janeiro de 2014

O PARAÍSO É AQUI


Embrulhadinha para presente, faz a alegria dos famintos...


Perdoem-me a ausência de postagens, mas os dias tem seguido vertiginosos. Acabo de completar 49 longas voltas ao redor do sol, na cidade de Cusco, no Peru, numa viagem linda e cheia de descobertas. Sou a feliz mãe de um filhote recém-aprovado para Medicina na UFC - campus de Sobral,  e essa sucessão de fatos e alegrias vem afetando de forma positiva minha rotina. "Muita coisa acontecendo e eu aqui na praça, dando milho aos pombos..."


Estou quase travada e o grau de ansiedade aumentou. Filhos saindo de casa, filhos cuidando da vida, filhos longe...por mais que a preparação seja grande, os motivos nobres e os fatos inevitáveis, é certo que quando a saudade aperta só resta enxugar as lágrimas e ficar feliz com as boas notícias. Mas me pego passando longe dos quartos deles, cujas portas mantenho fechadas. Assim, parece que a qualquer momento um deles vai abri-la pedindo um cafezinho...é senhores, vou levar um tempinho para me acostumar, mas chego lá.


Junte-se a isto uma necessidade premente de fazer uma dieta de verdade e por causa disso, não é que eu vá postar só folhas a partir de agora, que aliás, são deliciosas. Mas vou precisar presentear mais a família e os amigos a cada receitinha mais encorpada...melhor para eles, não? 

Então, lembrando do filhote mais velho que é louco por torta de maçã (leia em http://www.mesanafloresta.blogspot.com.br/2012/09/a-torta-do-meu-filho.html) e de um pastel de banana que comi esses dias, com leite condensado e queijo, resolvi fazer um teste com essa ótima massa que já uso para outras tortas e empadas. Essa massa me foi passada por d. Thereza, avó paterna dos meninos, em um curso feito em Rio Branco, muitos anos atrás. É uma delícia. Sugiro apenas não misturar muito, para que não fique dura e usar os ingredientes em temperatura ambiente.

Você pode embalar os pedaços em papel celofane, prender com fita e dar de presente aos queridos ou servir na próxima festinha de família. Bom apetite!

Torta de banana comprida frita com leite condensado e queijo coalho

Ingredientes para a massa

300 g de farinha de trigo peneirada
200 g de manteiga com sal, em temperatura ambiente
01 ovo e 01 gema
01 gema de ovo passada na peneira e misturada com 01 colher de chá de azeite, para pincelar

Ingredientes para o recheio

05 bananas compridas grandes, maduras, sem casca, fritas em óleo (a banana comprida é chamada de banana da terra em outros locais)
300 ml de leite condensado ou a gosto
01 xícara de queijo coalho ralado ou a gosto
canela em pó, a gosto

Modo de fazer

Numa tigela, misture a manteiga e os ovos. Acrescente a farinha aos poucos, misturando com um garfo, apenas até agregar os ingredientes. A partir daí, misture levemente com as mãos, apenas para homogeneizar a massa. Deixe a massa descansar um pouco. Após uns dez minutos, abra a massa entre duas folhas de plástico filme com um rolo, deixando-a fina. Forre o fundo e as laterais da assadeira ou pirex com a massa. Polvilhe um pouco do queijo ralado. Arrume as fatias de banana frita cobrindo todo o fundo da assadeira, numa primeira camada. Polvilhe queijo ralado e coloque colheradas do leite condensado a gosto. Polvilhe canela por cima e vá repetindo as camadas até acabarem os ingredientes ou encher a forma. Abra o restante da massa da mesma forma, cubra a torta, pincele a gema de ovo com azeite em cima e coloque no forno pré-aquecido, por mais ou menos 30 minutos ou até assar. Deliciosa!! Se quiser, sirva com um pouco de creme de leite ou mais leite condensado, para os loucos por doce!






LEITE CARAMELADO

O leite bem morno, mexido com um pauzinho de canela...


Quando eu era bem pequena, nossa cozinha ficava em um cômodo na parte final da casa e à frente de quem entrava nela, havia um pequeno jirau. Esse puxado de madeira, ainda muito presente nas casas mais humildes Brasil afora, era um dos meus locais preferidos, onde eu passava  um bom tempo em pé numa cadeira, lavando louça. Antes que alguém pense que minha querida mãe explorava meus talentos precoces, explico: por ter apenas irmãos, não brinquei muito de casinha. Meu divertimento maior era pegar louça de verdade e no tempo que Bombril® durava,  passar horas esfregando panelas, só para ver aquela espuma consistente ir cobrindo de branco minhas mãos.

Eu era tão miúda que precisava da cadeira pra alcançar o jirau. Embaixo dele o chão estava sempre empoçado, pois a água utilizada não era canalizada e demorava um pouco para que a terra absorvesse o excesso. As galinhas e pintinhos ficavam sempre por ali, mais do que interessados em alguma eventual sobra de alimento dos pratos e panelas após lavados.

Foi nessa pequena cozinha de minha infância que lembro da minha mãe preparando uma gemada, que eu rapidamente me interessei em aprender. Gemas amarelinhas  bem batidas em um prato, depois colocadas na tigela pra receber o leite quente ou o chá de jatobá e bem polvilhadas de canela. Receita infalível para a gripe, mas a mim acalmava e dava um conforto enorme.

Desde pequenina, sempre gostei da cozinha. Minhas tarefas eram bem simples, mas eu as fazia com muita concentração. Minha mãe, ao nos ver com gripe ou resfriado, além da gemada, nos preparava uns "lambedores" deliciosos, com malvarisco e outras ervas, cozidas em água e açúcar, que viravam um xarope para tosses e outros males, que reproduzi para meus filhos muitos anos depois, usando apenas os filtros da memória.

Mamãe é  farmacêutica formada, mas jamais deixou de nos tratar enquanto crianças com banhos de cozimento feitos com ervas coletadas na vizinhança, chás e remédios caseiros. Também nunca deixou de nos levar na rezadeira ao menor sinal de moleza ou “espinhela caída”. Dona santa, uma velhinha miúda e muito simpática, nos recebia em sua casa, aquela penca de meninos magrelos, com todo o carinho. Com um barbante, media o antebraço de cada menino ou o meu.

Ato contínuo, esticava o barbante de um ombro ao outro da criança da vez e comparava com a medida do antebraço . Se sobrasse barbante, o diagnóstico estava dado: o menino ou menina estava com “espinhela caída” e era preciso algumas rezas com um galhinho de arruda para ficar bom. Até hoje não sei as consequências dessa "terrível" doença, que certamente devia preocupar muito as mães de antigamente. 

Havia também o temível "quebranto". Esse  acometia basicamente os recém-nascidos. Bastava que o bebê começasse a ficar molinho, sem apetite e com choro fácil para que uma rezadeira de confiança fosse acionada. Justiça seja feita, em quase todos os casos após as rezas, os bebezinhos recuperavam o viço, até que a próxima visita do “olho grande” aparecesse e recomeçasse todo o processo. Da “espinhela caída” não ouvi mais falar. O "quebranto", por sua vez,  segue firme e forte assombrando as famílias.

Em Ocara, no interior do Ceará, havia uma querida senhora, já falecida, mãe de uma numerosa prole. Para dar conta da alimentação de todos, ela aproveitava praticamente tudo que se mexia, incluindo lagartos e sapos. Depois dos filhos já adultos e casados, todos trabalhadores rurais, adquiriu algum conforto, junto com o marido, também aposentado.

Do lado esquerdo de sua cozinha sempre muito limpa e arrumada, ficava o fogão a lenha, para a comida do dia a dia. O fogão a gás quase nunca era usado e apenas enfeitava a cozinha com sua brancura. Quando eu ia por lá, dona Franca (esse era o nome dela) abria uma exceção e fazia pra mim umas “bruacas”, espécie de massa de bodó de formato mais achatado. Ela misturava a farinha, ovo e fermento com suco das laranjas de seu quintal,  ao invés de leite, que comíamos quente, com café coado na hora, uma delícia.

Prevenida, sempre tinha embaixo do armário umas macaxeiras de molho na água para fazer a puba. Assim, quando acabava a safra, ela tinha o seu estoque de farinha garantido para o mingau que gostava de tomar. Após fermentar, essa macaxeira era lavada, escorrida e peneirada. Colocada para secar, sua farinha dá  um mingau muito saboroso. Fresca, a puba entra em bolos como o Souza Leão, oriundo de um tradicional engenho do Recife e aqui no Acre, é a base do tradicionalíssimo pé de moleque, assado em folhas de bananeira e vendido em todas as feiras de Rio Branco.

Além da gemada, havia o leite caramelado, bom para os males da garganta e tão acolhedor quanto. Aproveite para fazê-los na próxima chuva e sinta-se tão abraçado como eu me sentia.



Gemada da minha mãe

Ingredientes

Gemas de ovo, quanto baste
Açúcar, a gosto
Chá de jatobá (feito com água e jatobá, depois coado) ou leite quente, a gosto
Canelá em pó, para polvilhar

Modo de fazer 

As quantidades são indicativas. Para cada gema batida, use aproximadamente 01 colher de sopa de açúcar e 200 ml de chá ou leite, além da canela a gosto, mas você pode variar de acordo com seu paladar pessoal. Passe as gemas na peneira, bata-as muito bem e acrescente o açúcar. Bata mais um pouco e acrescente o chá ou o leite quente. Misture, coloque no copo de servir e polvilhe canela a gosto. Uma delícia!

Leite caramelado

Ingredientes

200 ml de leite
02 a 03 colheres de sopa de açúcar
canela em pó ou em pau, se desejar

Modo de fazer

Numa panela de fundo grosso, derreta o açúcar até ficar com uma cor marrom dourada. Não deixe queimar. Aos poucos, vá derramando o leite com cuidado, pois o caramelo sobe de uma vez. Vá mexendo aos poucos até que o leite vá ficando cor de caramelo. Despeje no copo ou caneca, acrescente o pauzinho de canela ou canela em pó e se delicie. Esse leite é especial para dor na garganta, pelo menos eu não o dispenso. Você pode acrescentar um pouquinho mais de leite ou açúcar de acordo com o seu gosto pessoal.

Bom apetite!