domingo, 18 de dezembro de 2011

O BOLO DA MINHA AVÓ


Doce de leite na cobertura e nozes...


Não sou chef de cozinha, longe disso. Admiro e respeito profundamente a técnica, o trabalho de pesquisa, o processo de criação de uma receita, as experimentações. A descoberta de novos ingredientes e esse novo olhar para os produtos amazônicos, com a (re) descoberta de sabores tão conhecidos nossos como o tucupi, a farinha crocante, o cupuaçu, a pupunha, os peixes de rio, o açaí, me deixa feliz. Produtos esses que hoje estão fazendo a alegria de chefs e consumidores Brasil afora, como é exemplo o festival sobre a cozinha do Acre no restaurante Brasil a Gosto, da chef Ana Luísa Trajano e a menção disso na revista Menu de dez/2011.

Muitos trabalham com a tradição e hoje há um verdadeiro retorno às origens, com as comidas de antigamente sendo revisitadas, repaginadas, reinterpretadas. Eu gosto desse olhar para o passado. Porque se somos quem somos hoje e se podemos viver o presente e sonhar com o futuro, é porque o passado nos sustenta e nos ajuda a corrigir o rumo. Portanto, longa vida aos assados substanciosos, aos doces de colher, aos pavês e bolos de banana, às galinhas de cabidela e coquetéis de camarão e tantas outras delícias resgatadas desse baú sem fundo das comidinhas de mãe e avós, tios e outros queridos.

Minha avó materna foi uma pessoa muito, muito especial e foi entre as duas avós, a que mais convivi. Exímia cozinheira, costureira, cabeleireira, cabo eleitoral, fazedora de botões e crochê, perdi a conta das coisas que minha avó me ensinou e só lamento não ter tido tempo de aprender mais com ela. Visionária, extremamente vaidosa, até hoje não tem na família quem lhe ganhe em cuidados. Nunca vi minha avó sem as unhas feitas e  o cabelo caprichosamente penteado.

Nas visitas à minha casa, invariavelmente de tailleur, parava na soleira, sacava de sua frasqueirinha (uma pequena maleta de mão) uma sandália de couro trançada e ali já trocava os sapatos de rua pelos de casa. Ato contínuo, sentava no sofá e retirava as meias (só saía de meia-calça), dobrando-as cuidadosamente e guardando-as na maletinha. Só então, adentrava a casa e trocava a roupa por um robe. Essa rotina, até onde me lembro, visualizei muitas vezes, mesmo com ela já velhinha e morando fora daqui.

Quando fui para o Ceará, onde morei por quase vinte anos, não sabia cozinhar direito. Meus pratos, eu os contava nos dedos da mão: maionese caseira, arroz branco com alho, charuto e bife. De doce, fazia umas bolinhas de leite e uns biscoitinhos recheados de goiabada, muito elogiados na família. Mas, apesar da minha mãe fazer ótimos bolos, eu nunca tinha me arriscado, com o medo característico de quem está começando a virar gente grande: e se solar? E se não prestar? Numa família onde quase todos cozinham muito bem, tinha um certo receio de não estar à altura do desafio.

Mas, mamãe estava longe e minha avó, que nessa época morava com minha tia no Ceará, já velhinha, ainda estava ali para me ajudar. Foi então que resolvi pedir sua receita de bolo. Lembro bem desse dia, pois meu filho mais velho tinha uns dois meses de idade só e eu havia ido passar uma tarde na casa de minha tia, onde ela morava. Perguntei: "Vó, a senhora tem uma receita de bolo simples, desses que se come com café? Uma daquelas que dá certo...". Ela riu e me deu a receita. Desde então, é a receita dos meus bolos, onde mudo as coberturas, os recheios, às vezes acrescento chocolate ou laranja, nozes ou castanhas, mas a cada vez que o faço, é como se dissesse à minha avó que ela está ali do lado, enchendo de carinho a minha vida. Carinho esse que eu repasso para o bolo e para quem o come.

Este que aqui está foi feito para meu filho mais novo que acabou de fazer dezesseis anos e segundo ele, é avesso à festas e comemorações. Eu queria  festejar a alegria que é ser mãe de uma pessoa tão especial e que me ensina muito, inclusive a não forçar a barra para fazer festa. Mas, como nem toda mãe é perfeita, terminei fazendo o bolo contra a vontade dele, que esqueceu tudo, se serviu de grossas fatias e ainda levou na bagagem para o irmão mais velho. Bom apetite!


Bolo da minha avó

Ingredientes

250 g de manteiga de boa qualidade, em temperatura ambiente
2 xícaras de açúcar refinado
3 ovos em temperatura ambiente
3 xícaras de farinha de trigo peneirada
1,5 xícara de leite em temperatura ambiente
1 colher de sopa de fermento para bolo

Modo de fazer

Antes de iniciar o bolo, separe e/ou meça todos os ingredientes. Passe manteiga e depois polvilhe farinha em uma forma média (assadeira ou de buraco no meio). Acenda o forno.
Bata muito bem a manteiga com o açúcar até virar um creme (entre oito a dez minutos). Acrescente os ovos inteiros, um a um e bata mais um pouco. Alterne o leite e a farinha e bata apenas para misturar. Acrescente o fermento e bata rapidamente, apenas para agregá-lo à massa. Despeje esta massa na forma e leve-a ao forno, deixando em temperatura média. Como a temperatura do forno pode variar, após 20 a 25 minutos, dê uma olhada e se for o caso, vire a forma para que asse por igual. Retire do forno, aguarde alguns minutos e desenforme-o. (Eu normalmente desenformo quente, mas se quiser esperar esfriar, certifique-se de que ele está solto na forma. Caso contrário, leve alguns minutos a forma à boca do fogão, para soltar o bolo).
Aguarde esfriar e com cuidado, caso vá recheá-lo, divida-o ao meio. Pode ser feito com faca de serra. Recheie-o com o doce ou geléia de sua preferência e cubra-o da mesma forma. Pode ser servido simples, com café ou chá.

Variações:
Acrescente à massa pedacinhos de nozes, castanhas ou chocolate, chocolate granulado, passas embebidas em rum, laranja cristalizada etc. Pode substituir o leite ou parte dele por suco puro de laranja e cobri-lo com glacê de laranja ou limão, enfim, o céu é o limite.

Opções de recheio: ameixas cozidas em um pouco de água e açúcar e processadas, até o ponto de pasta,doce de leite, geléia de damasco ou abacaxi.

Opções de cobertura: brigadeiro mole, doce de leite misturado com creme de leite, geléia.

Este da foto foi recheado com geléia de damasco, salpicado de nozes em pedaços e coberto com doce de leite misturado a creme de leite, para ficar mais pastoso.