A antiga Lanchonete Miragina, ao lado do quartel: …todos os dias meu encontro com o sabor!
Não sou jornalista. Portanto, como não é dever de ofício, gosto de escrever quando tenho vontade, quando as histórias ficam empurrando com força a portinhola que dá acesso ao coração e pedem mesmo para sair e olhar a luz do sol. Por isso demoro tanto pra iniciar a escrita e muitas vezes, de perfeccionista que sou, desmonto qualquer palavrinha mais metida, que saiu pela portinha assim meio que sem licença, só de vontade de dar uma volta.
Tenho a maior inveja de quem senta, pega uma pauta, sofre um pouco, mas organizadamente, produz ou faz nascer um texto que muitas vezes encanta a quem o lê, às vezes numa calma manhã de domingo, com uma bela xícara de café nas mãos e um som de passarinhos no quintal. Eu, não. Para que as letrinhas se arrumem no papel, o coração tem que estar envolvido e como escrevo sobre histórias e comida, os sabores e as lembranças precisam passear em volta, dar o ar da graça…
Meu maridinho é um desses, um dos bons. Como eu orgulhosamente fui nomeada sua editora, sempre leio seu texto em primeira mão, o que não significa que é fácil: como toda boa queda de braço entre dois cidadãos opiniosos, eu e ele, enquanto o leio, ele fica assim como que um buldogue a quem se quer tirar o osso. Aceita sugestões, é claro, mas os estilos são diferentes e ele fica ali do lado, com o rosnado preparado.
Sempre nos entendemos bem e poucas vezes precisei ficar calada ou desgostar do que li. Houve apenas um ou dois momentos, nesses tempos de edição amadora, em que ele preferiu reescrever tudo e o fez de forma tão linda que me provocou lágrimas nos olhos. Os homens são assim, mesmo os muito sensíveis. Meio turrões, meio caladões de fora pra dentro, ainda que só o perceba quem os conhece. Há que ter paciência, são pessoinhas que merecem respeito.
www.miragina.com.br
Biscoitos de Castanha: uma tradição acondicionada em charmosas latinhas…
Mas esse texto, ainda que para elogiar os bons jornalistas, dos quais tenho tantos e tão honrosos exemplos, como meu querido Elson Martins, um mestre, é mesmo para falar do meu processo criativo. Tentar colocar em palavras aquilo que o sentimento expressa por vias curvas ou não tão retas: um bolinho para um amigo, um mingau, aquele bife com cebolas, a farofa de ovos que só a mãe sabe fazer… comida, como já se vê, de alma, que fala de conforto, que coloca o nosso pé numa meia quentinha, no colo das pessoas queridas. Essa é a comida que me dá mais prazer e é a comida sobre a qual eu gosto de falar.
Nada contra as experimentações, o moderno, a técnica, as medidas exatas. Cada alquimista no seu caldeirão. Estou falando de tudo isso para lembrar que um dia desses fui à Confeitaria Rosamélia comprar saltenhas assadas, daquelas que desde criança me acostumei a comer quentinhas, com um creme de frango borbulhante dentro, pedacinhos de batata e uma azeitona verde para dar o tom. Levei dois depósitos, pois elas iriam para longe, satisfazer paladares distantes.
FOTO: PATRYCIA COELHO
A saltenha Creolla: uma novidade, com o sabor da pimenta delicadamente amenizado pela doçura das passas…
A simpática atendente deve ter visto em meus olhos a percepção da gula, pois me ofereceu um novo sabor, a creolla, com carne picadinha, ovo cozido em pedacinhos minúsculos, passas e uma pimenta… ai, a pimenta! Para fortes e corajosos, dessas que vão até a alma… mas, uma verdadeira delícia, depois que as papilas se acostumam à novidade. A confeitaria serve outras guloseimas como biscoitos de castanha, pães, bolos, sucos e docinhos.
Lembrei-me da Lanchonete Miragina, dos mesmos donos, nos idos de 80, localizada na então Praça Plácido de Castro. O grupo, familiar e tradicional na cidade, foi pioneiro na fabricação de massas e biscoitos, estes também acondicionados hoje, além da embalagem tradicional, em charmosas latas, prontas para viagem e presente.
Não conheci o patriarca, seu Abrahão. Mas lembro perfeitamente de dona Mirian Felício, sempre elegante, supervisionando tudo.
A antiga lanchonete, um espaço amplo no Centro, moderno, foi meu ponto preferido para pequenos lanches durante o tempo em que trabalhei no extinto BNH, pertinho do estádio José de Melo. O BNH foi extinto, a praça mudou de nome e a lanchonete deu origem ao primeiro shopping do Acre, o Mira, mas as saltenhas continuam a viajar apertadinhas nos depósitos ou embaladas caprichosamente uma a uma para confortar o apetite saudoso de quantos a tenham conhecido, acreanos ou agregados. E continuam a encantar as novas e as não tão novas gerações, que batem o ponto todos os dias para degustá-las.
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