quinta-feira, 27 de agosto de 2015

APRENDIZADO E EMOÇÃO



Chef Enzo De Pra no mercado Elias Mansour, conhecendo as ervas locais. Aqui, com o jambu
Foto: Diego Gurgel



No mesmo mercado, observando o peixe seco
Foto: Diego Gurgel

Conhecendo o mastruz, junto com o empresário Gianmaria 
Foto: Diego Gurgel

Com a chicória, planta muito utilizada por aqui...
Foto: Diego Gurgel

O chef Enzo De Pra no mercado Elias Mansour, limpando ele mesmo o maxixe...
Foto: Diego Gurgel


Escrevo aqui na sala em meio a um calor amazônico que nem a chegada da noite conseguiu aliviar. O cheiro de fumaça dessa época tão peculiar na região, em que as chuvas escasseiam e os irresponsáveis continuam a nos brindar com a queima das folhas de seus quintais, ocupa todo o espaço das minhas narinas. A "quentura", como falamos por aqui , me obriga a tomar tanta água que já sinto não só o estômago, mas o corpo todo dilatado. Que venham logo as chuvas!

Tive a honra e a oportunidade de há uns dias atrás, acompanhar o grande chef italiano Enzo De Pra e o produtor de eventos e empresário Gianmaria Radice em uma visita técnica ao nosso Estado, para conhecer a gastronomia amazônica e reunir subsídios para a elaboração de um jantar italiano com produtos brasileiros, especialmente o peixe, no próximo mês, na Expo Milão.
Mas a visita, que contou com o apoio do Sebrae, restaurante La Nonna, Cooperacre, Supermercado Araújo e Peixes da Amazônia e rendeu várias atividades, teve um de seus grandes momentos em um jantar beneficente promovido pelo Acre Solidário, que tem dado um verdadeiro show na promoção de eventos com fundo social.

Em quase dez dias, tivemos bate-papo com estudantes, cozinheiros e donos de restaurante, oficina para chefs e cozinheiros locais, degustação e troca de informações e experiências, visitas a produtores, mercados, e muita, muita emoção. O chef Enzo De Pra, um simpaticíssimo senhor de setenta e poucos anos, tem uma vivacidade que impressiona. Mesmo com uma agenda lotada e desconfiando seriamente de que em meu passado eu tenha algum parente alemão, pelo cumprimento quase cartesiano das atividades previstas, ele e seu colega empresário, que também fez às vezes de tradutor, encantaram-se com os produtos da região e com a acolhida recebida.

Na primeira visita realizada, à fábrica peixes da Amazônia, o chef mostrou outra de suas mais expressivas características, a curiosidade: não se conteve e de faca em punho, filetou ele mesmo um dos peixes ali preparados, com o maior bom-humor. No bate-papo, realizado na Biblioteca da Floresta, relembrou sua ida à Suíça, para estudar gastronomia. Ao voltar, sua mãe, fonte de inspiração e grande cozinheira, escutou pacientemente o filho ensinar-lhe a fazer o nosso pão de ló (o pan di Spagna), sem demonstrar em nenhum momento já dominar a técnica, fato lembrado pelo chef com emoção. Com a maior humildade, relembrou aos chefs, cozinheiros e estudantes presentes o que não pode faltar na cozinha, a paixão.

Sorridente, tranquilo, falou de tudo um pouco e nos deu uma aula de sabedoria. Sucesso absoluto! Em uma das atividades, no mercado, ficou feliz de provar o suco de cupuaçu sem açúcar. Comprei de presente para ele um xarope de guaraná e o fiz provar uma colherada, que rendeu gargalhadas e brincadeiras até o fim da visita, pois engasgou-se e supostamente creditou toda a sua energia a partir de então à tal colher de xarope.

Poderia falar muito aqui de todo o aprendizado e da experiência. Mas atenho-me a duas coisas que me chamaram particularmente a atenção: no jantar, realizado no ótimo espaço do restaurante La Nonna e que contou com toda a atenção e gentileza de suas proprietárias, Maria e Sibelle Khallil, fez questão absoluta de chamar a equipe que o ajudou e dividir as palmas, humildemente. E no dia seguinte, voltou ao restaurante, para ensinar pacientemente toda a equipe a preparar o tiramisu, do zabaione ao pão de ló.

Para o risoto, o primeiro prato do jantar servido à moda italiana, fez questão de trazer o arroz da Itália. O tartar de pirarucu, fresquíssimo, contou com o seu ótimo aceto balsâmico, envelhecido há quase vinte anos, produzido por ele, artesanalmente, em seu restaurante Dolada, que conta com uma estrela Michelin desde o início dos anos setenta. Os cabelos brancos escondem uma alma jovem, recheada de pérolas, como a que ouvimos aguardando os últimos minutos para o pão de ló ficar pronto: mais ou menos algo como "...tudo na vida é ter experiência, mas quando a adquirimos por completo, está na hora de morrer..."

Antes de viajarem de volta, o chef Enzo e Gianmaria Radice, que o acompanhou, fizeram questão de conhecer o seringal Cachoeira, em Xapuri. Lá, comeram galinha caipira e tambaqui, purê de macaxeira, banana frita e creme de araçá e graviola. Mas, principalmente, visitaram a Rainha da Floresta, uma samaúma gigante e cheia de energia, que encanta quem a vê. E o chef, do alto de sua experiência, mereceu elogios do guia seringueiro que nos acompanhou, primo de Chico Mendes, ao cortar corretamente a seringueira para extrair o látex. Para nossa surpresa, a bolinha feita com ele voltou para a Itália, como souvenir de uma viagem que nos rendeu muitas histórias. Arrivederci!


Pan Di Spagna do chef Enzo De Pra (o nosso pão de ló)

Ingredientes

16 ovos (se forem muito pequenos, acrescentar mais 1)
500 g de açúcar cristal
250 g de farinha de trigo italiana para bolos
250 g de amido de milho
01 pitada de sal
raspas de limão (mais ou menos 01 colher de chá)

(obs.: Adaptei as quantidades, dividindo a receita original por quatro, conforme abaixo. Não tinha farinha italiana em casa, então usei a de tipo 1, que é a que se encontra no Brasil. Nesse caso, usei 100 g da farinha e 25 g de amido, combinação que me pareceu mais saborosa. Fiz duas vezes e na primeira, usei metade de farinha e metade de amido e açúcar cristal. Ficou um sabor que não se parecia com o ótimo pão de ló do chef, daí a adaptação).


Receita do chef adaptada e reduzida

04 ovos inteiros em temperatura ambiente
125 g de açúcar cristal
100 g de farinha de trigo tipo 1
25 g de amido de milho
01 pitadinha de sal
1/4 de colher de chá de raspas de limão
Papel manteiga para desenformar

Modo de fazer
(Aqui também precisei adaptar, pois minha cozinha é doméstica)

Coloque uma panela com água para ferver que possa receber a tigela da batedeira, sem encostar na água. Preaqueça o forno a 160 graus. Unte e enfarinhe muito bem uma assadeira média. Na tigela ou similar, coloque os ovos, o açúcar e as raspas de limão. Reserve. Em outra tigela, coloque a farinha, e o amido e a pitada de sal. Reserve. Com um fouet (de preferência, mas se não tiver use um garfo), bata ligeiramente a mistura de ovos, açúcar e raspas. Encaixe essa tigela na outra com água fervente, tomando cuidado para que ela não encoste na água e bata sem parar por alguns minutos, de forma leve, com cuidado para não deixar os ovos cozinharem, apenas para amornar levemente. retire a tigela do fogo e leve imediatamente à batedeira. Bata devagar por um minuto e depois aumente a velocidade, batendo bem por dez a quinze minutos, até o ponto de fita. Os ovos terão crescido bastante e formarão um creme bem aerado e claro. Com muito cuidado, acrescente a mistura dos secos, peneirando um pouco de cada vez e misturando de baixo para cima, devagar. Se não tiver o fouet , use um garfo. Espalhe essa mistura na assadeira preparada e leve ao forno baixo até dourar. No meu forno levou quase 18 minutos, mas é preciso olhar. Em forno profissional a 160 graus 10 minutos deverão ser suficientes. Retire a assadeira do forno. estenda uma folha de papel manteiga, polvilhe-a com açúcar cristal e desenforme de uma vez, dando uma batida para que a massa se solte. A partir daí, você pode cortar discos e montar tiramisus ou outros doces. Se quiser, corte em retângulos compridos e leve-os de novo ao forno, polvilhados com açúcar ou pó de castanha, para ter deliciosos biscoitos para o café, chá ou chocolate! Bom apetite!  

Meus agradecimentos especiais ao fotógrafo Diego Gurgel, autor dessas lindas fotos!

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Para saber mais:

Ristorante Dolada - http://www.dolada.it/

Sebrae - www.sebrae.com.br

Peixes da Amazônia - www.peixesamazonia.com.br

Restaurante La Nonna - Parque da Maternidade, Via Parque, Rio Branco, Acre

Cooperacre - www.cooperacre.com

Supermercado Araújo - www.araujosuper.com.br










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