terça-feira, 11 de outubro de 2016

PELOS QUINTAIS



A abóbora pronta para servir...


E antes de ir novamente ao forno, só para derreter o parmesão...



Quando éramos muito pequenos, lá em casa, nosso quintal só não era maior que o Mundo. Nele cabiam inúmeras árvores frutíferas, cada uma em sua época. Cabia o jogo de futebol com os amigos e o nosso campinho doméstico tinha um cajueiro plantado bem no meio, mas não atrapalhava, era o que dava charme e confundia os adversários. Como boa menina, filha única entre quatro irmãos, eu liderava um time e era tão briguenta quanto eles, sempre que preciso. 

Tinha a goiabeira que me cabia perfeitamente, para ler e para dividir os dramas da adolescência. Tinha os pés de graviola, que produziam tanto o ano todo, que não dávamos a menor bola para as frutas. Manga não se comprava em supermercado nem em feira. Pelo contrário, depois que nos fartávamos, era um favor dos vizinhos e amigos quando aceitavam sacolas e mais sacolas, ninguém dava vencimento naquela montanha de polpa amarela sumarenta, que escorria pela cidade toda.

Ainda hoje, muito da safra de manga se perde nas ruas, deixando um mar de frutas apodrecendo pelo chão. Nossa cultura ainda não a utiliza totalmente para sucos, doces ou mesmo um chutney, tão saboroso. Naquele quintal, nunca houve medo, a não ser de levar uns gritos por ter pulado a cerca dos vizinhos pra roubar fruta. Até hoje, nunca entendi porque o fruto proibido é sempre melhor do que o que está à mão, mas que é mais doce e mais bonito, lá isso não resta a menor dúvida.

Marilana, uma fruta que não se acha mais pela cidade, já era difícil naquele tempo. Alaranjada, meio macilenta e docinha, não sei porque desapareceu dos quintais. Quando tínhamos gripe ou febre, o chá de folha de laranjeira era sem igual, conforto imediato, colo de mãe. Que, a bem da verdade e apesar de farmacêutica formada, nunca dispensou um banho de cozimento bem fervido para nós, muito menos a reza da dona Santa nos casos de espinhela caída, doença de que padeciam dez entre onze crianças. 

Havia cristas de galo no nosso quintal, flores vermelhas firmes e orgulhosas. Ainda hoje, quando as encontro, sinto-me em casa e imediatamente acolhida. Para dor na barriga, chá de cascas de laranjeira. Mastruz batido com leite condensado era infalível para secreções do peito e gripe forte, mas eu o tomava de nariz tampado para não sentir seu cheiro, capaz de me embrulhar o estômago . O leite caramelado tomado quando se tinha dor na garganta levava também, se não me engano, cascas de jatobá que mamãe fervia antes.

Os quintais não serviam só para entreter nossa fome de brincar e encher a barriga. Eram lugares mágicos, onde treinávamos as táticas e as estratégias para a vida adulta. Lugares de sonho onde dava para conversar com as árvores e até onde sei, os segredos ali ouvidos jamais foram passados adiante. Nos momentos de raiva, era o quintal quem nos acolhia. Na alegria, suas árvores eram sacudidas pelos nossos pulos, subindo o mais alto que conseguíamos. Quem nunca ouviu um "Menino, desce já daí!!" não vai saber o que é ser criança. Ai eu ia buscar pimenta malagueta para o meu pai e queimava as mãos e às vezes os olhos. Muito cedo aprendi a macerar as folhas para aliviar o ardor, tiro e queda.

Com o tempo, os quintais da cidade tem devagarinho perdido espaço para os quintais eletrônicos, mais limpos e controláveis.Nos nossos, de verdade, arranhões e suor, roupa cheia de terra e aqui e ali alguma briga faziam parte da rotina. Manja, macaca (amarelinha), cantigas de roda, pera, uva e maçã, bandeirinha, futebol, eram os Mário de antigamente e hoje, nem mesmo sei os milhares de nomes para tanto jogo virtual. Sem contar os inúmeros zumbis às voltas com os recados e curtições inadiáveis do facebook e whatsapp , que não olham mais por onde andam, nem com quem estão nas mesas e lugares.

Não, não sou totalmente isenta...também faço minhas concessões e fotografo pratos antes de começar a comer e respondo mensagens e faço curtições. É difícil resistir à enorme onda que vai nos empurrando, ainda não descobri como mudar de planeta. Mas posso pelo menos conter o fluxo. Conversar, olhando no olho. Rir de verdade, sem kkkk. Ficar à toa.
Diminuir na mente a velocidade do acúmulo de informações. Voltar para o meu quintal de criança antes de crescer e ver que ele nem era tão grande. Mas era o meu porto seguro contra qualquer tristeza. E continua sendo.

Por isso, lanço aqui um desafio: se tiver quintal, plante árvores, nem que seja só uma...se não quiser uma fruteira, flores ficam lindas. E chás de todos os tipos, erva-cidreira, malva, hortelã, capim-santo...e me convide que vou dividir uma xícara, com muito gosto!!

A receita de hoje, fiz num improviso. É mais comum com camarões e até carne-seca. Decidi fazer com charque e achei deliciosa, então a divido aqui. A abóbora e  o charque foram produzidos aqui mesmo, na região. Mais garantia de sabor! Aproveite e chame os amigos. Se desejar, sirva com arroz, mas nem precisa. Basta meter a colher na abóbora assada e pronto, já tem o acompanhamento ideal. Bom apetite!!

Abóbora assada com charque cremoso

Ingredientes

01 abóbora inteira, de tamanho mediano ou a gosto
230 g de charque (dianteiro), aproximadamente, cortado em cubos não muito grandes
01 colher de sopa de azeite
01 colher de sopa de manteiga
01 cebola média, cortada em cubinhos
01 pimenta dedo de moça sem sementes, em cubinhos
04 dentes de alho amassados
1/2 xícara da água de cozimento do charque
02 colheres de sopa de queijo Camembert em pedaços (na falta, use outro de sua preferência, que derreta bem)
02 colheres de sopa de queijo Brie com a casca (na falta, use outro de sua preferência, que derreta bem)
02 colheres de sopa de queijo Minas em cubinhos
01 colher de sopa de parmesão em lascas (evite o queijo ralado de saquinho)
200 ml de creme de leite (industrializado. Se tiver o fresco, ajuste a quantidade, para que não fique tão fino)
Cebolinha verde cortada finamente, flores de jambu e pitadas de páprica doce, para enfeitar (opcionais)

Modo de fazer

Lave os cubos de charque em bastante água. Escalde os cubos em água fervente por umas quatro ou cinco vezes, deixando uns minutos de molho a cada vez e escorrendo a água. Prove sempre após as últimas lavagens, pois o ponto de sal pode variar. Se necessário, escalde mais um pouco, com cuidado para não retirar o sabor da carne. Coloque numa panela de pressão e cubra com água limpa, deixando cozinhar por uns 10 a 15 minutos, até ficar macia. Reserve meia xícara da água do cozimento.  Envolva a abóbora em folhas de alumínio, vede bem e a coloque numa assadeira, em forno médio, por aproximadamente 30 a 40 minutos, ou até ficar assada. Retire o papel da parte de cima, corte uma tampa e com bastante cuidado, retire todas as sementes e filamentos internos. As sementes, se quiser, lave bem e toste-as com uma pitada de sal. Ficam ótimas em um tira-gosto. Raspe um pouco da polpa interna já assada, com cuidado para não desfazer a abóbora nem furá-la. Reserve. Numa panela de fundo grosso, coloque o azeite, a manteiga, o alho e deixe uns minutos, sem deixar queimar. Acrescente a cebola e a pimenta e misture. Coloque a carne, mexa bem e deixe absorver os temperos e fritar um pouco. Acrescente a água do cozimento, os queijos Camembert, Brie e Minas (ou outros de sua preferência) e a abóbora reservada. Mexa e coloque o creme de leite. Prove e ajuste o sal, se necessário. Assim que os queijos derreterem e a mistura encorpar um pouco, desligue o fogo. Encha a cavidade da abóbora com a mistura. Se sobrar, sirva à parte ou use em outra preparação. Coloque por cima o queijo parmesão em lascas e leve ao forno, sem tampar, apenas para gratinar. Retire do forno, enfeite com a cebolinha e as flores de jambu (se usar), pitadas de páprica doce e sirva. Bom apetite!

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