domingo, 3 de maio de 2015

TIRANDO LEITE DE PEDRA

A costela pronta para servir, junto com a farofa...


Quem gosta de comida consegue achá-la nos lugares mais improváveis. Bati na trave para fazer a declaração do Imposto de Renda. Todo ano, juro amor eterno à Receita e prometo solenemente entregá-la no primeiro dia em que o sistema se disponibiliza para recebê-la. E todo ano, falho miseravelmente no meu intento.

É um tal de correr atrás de recibos médicos espalhados em dez pastas diferentes, ir ao banco para tirar extratos, consultar conta e informações diversas que estressaria o mais santo dos padres. Isso para constatar mais uma vez que não acumulei os milhões que gostaria. Bem longe disso. A lista das dívidas e obrigações é quase sempre de um tamanho muito maior que o desejado.

Por todos esse detalhes é sempre torturante o momento de fechar a bendita declaração. E é claro que como toda boa brasileira ou brasileiro, deixo para a última hora a agonia final. E ao ir no contador para finalizar a dita cuja (sim, porque desta vez dei-me ao luxo de fazer umas consultas básicas ao contador do meu marido), encontro antes de mim mais alguns bons patrícios, todos atrasados para prestar suas informações.

E tome sala de espera, é claro. E nessas horas arrastadas com o estômago roncando e sem entender a demora em alimentá-lo, sinto um cheiro convidativo de comida bem temperada, que começou a invadir minhas narinas, a essa altura combalidas pelo tempo de aguardo e pela dieta forçada. Não tive dúvidas e fui atrás do cheiro.

Encontrei dona Raimunda na cozinha da empresa. Risonha, ao ser elogiada, me disse timidamente  que se eu soubesse o que era..."É só feijão, minha filha, temperado com um pouquinho de alho refogado e cebola de cabeça". Ri junto com ela. "Dona Raimunda, fazer feijão é uma arte". Não tive coragem de pedir para provar, mas começamos a conversar sobre comida e ela me contou que já cozinhou para mais de um governador aqui no Estado.

E durante treze anos, preparou refeições para o antigo dono da empresa, já falecido. Perguntei se ela gostava de cozinhar e a resposta foi previsível, com os olhos brilhando: "Adoro"! E perguntei então pelos seus pratos preferidos. Ela passou a me dar a receita de uma costela que faz no forno, com batatas. "Tem que ser a mindim, minha filha, outra não serve. Deixa temperada de véspera com sal, vinagre, pimenta e alho, depois de bem limpa. No outro dia, faz um refogado com todas as verdurinhas (tomate, pimenta de cheiro e cebola para o refogado e também pedaços grandes de tomate e cebola crus) e arruma na assadeira com um pouquinho de óleo. Coloca a costela em cima, cobre com papel alumínio e deixa mais ou menos uma hora no forno em temperatura alta. Depois baixa a temperatura para o mínimo e espera ficar macia. Aí é só colocar batatas ao lado para assar, tirar o papel alumínio, deixar dourar e comer". 

Fiquei salivando ao pensar na costela. Ela ainda me deu uma outra receita e combinamos que eu faria o teste e lhe contaria da próxima vez em que fosse por lá. Voltei para a sala e ainda esperei um bom tempo para o atendimento. Quando terminei, estávamos ambos, eu e o contador, vesgos de fome. Lembrei que havia trazido bolo e uma conserva de berinjela para o lanche e fomos até a copa. Dona Raimunda já tinha saído. A conserva foi consumida em minutos, junto com um pão fresco que milagrosamente apareceu por lá.

E se não saí feliz com a declaração de renda, pelo menos saí bem satisfeita com a nova amiga e sua receitinha. Passei antes de ontem no supermercado para comprar a costela. Temperei do meu jeito, fiz o refogadinho e coloquei no forno. Precisei sair e recomendei à minha empregada que olhasse de vez em quando, para evitar ressecamento.

Mas ao chegar em casa, ela havia retirado a costela da assadeira original e, pecado mortal, desprezado aquele restinho de assado que ao ser acrescido de um líquido, vira um molho delicioso. Quase surto, mas como se diz por aqui, barco perdido, bem carregado. A costela estava muito macia, de comer de colher. Fiz uma farofinha de quinua com castanha para acompanhar, pois as batatas não foram acrescidas ao assado. Ficarão para a próxima. Recomendo chamar os amigos e se deliciar, é muito bom. Aproveite!






Costela assada (quase) da dona Raimunda   

Ingredientes 

Para a costela

01 costela bovina mindim (ou mindinho), inteira, limpa (a que eu fiz pesou 3,450g)
01 cebola pequena, picada
05 dentes de alho, picadinhos
03 colheres de chá de páprica picante
01 colher de chá de sementes de coentro moídos
Sal e pimenta do Reino a gosto
02 raminhos de salsa e 02 folhas de chicória, picadinhos
02 colheres de sopa de azeite
Vinagre de maçã a gosto, para a marinada

Para colocar no forno

01 costela marinada, com os temperos e um pouco do líquido
01 cebola grande, picada
03 pimentas de cheiro sem sementes, picadas
01 colher de sopa de azeite
Um pouquinho do líquido da marinada 

Farofa de quinua e castanha do Brasil 

03 colheres de sopa de manteiga
03 colheres de sopa de cebola bem picada 
1/2 xícara de castanha do Brasil crua mas não fresca (a que se compra no supermercado), bem picada
01 xícara de quinua em flocos
Sal e pimenta a gosto
Castanhas inteiras para decorar (opcional)

Para decorar

Molho pronto de tâmara
Azeite
Galhinhos de manjerona

Molho

Resíduos da assadeira, retirado o excesso de óleo, fervidos com 3/4 xícara de água até encorpar bem e passados na peneira. Sirva em molheira à parte.

Modo de fazer

Para a costela

Tempere a costela com todos os ingredientes secos da marinada. Use pimenta do Reino moída na hora. Massageie bem a peça de costela, passe o azeite e borrife o vinagre por cima, a gosto. Arrume a peça em uma assadeira grande, cubra com filme plástico e deixe na geladeira até o dia seguinte, virando de vez em quando para o tempero pegar dos dois lados. No outro dia cedo, faça o refogado em uma frigideira, colocando o azeite, as cebolas e pimentas de cheiro. Regue com um pouquinho do caldo da marinada. Arrume esse refogado em uma assadeira grande que possa ir ao forno. Coloque por cima a costela, ajuste o sal e a pimenta, cubra com papel alumínio e leve ao forno na temperatura máxima por cerca de uma hora. Dê uma olhada na peça, torne a cobrir e recoloque no forno em temperatura bem baixa. De vez em quando retire para olhar e ver o ponto do cozimento e se precisa de um pouco de água. Aqui em casa, não precisou colocar nenhum líquido e demorou em torno de três horas e meia para ficar pronta, mas depende muito do forno. Quando ela estiver bem macia, retire o papel alumínio e deixe dourar. Se usar batatas, coloque-as para assar junto, de maneira que ainda peguem um pouquinho do líquido da assadeira. Quando a costela assar, retire-a com o máximo cuidado para o prato de servir. Deglace a assadeira colocando água ou vinho, após ter retirado o excesso de óleo, para que esses resíduos do assado possam se tornar um molho escuro que pode ser servido por cima da carne. (Minha empregada não me permitiu fazer o molho, mas são ossos do ofício, quem mandou sair de casa antes de terminar o assado?). Sirva com a farofa de quinua e castanha e se desejar, arroz branco ou purê. Fica deliciosa!

Para a farofa de quinua e castanha do Brasil

Numa frigideira, coloque a manteiga e aguarde derreter, sem deixar queimar. Junte a cebola picadinha e a castanha e vá mexendo até que a castanha fique crocante. Junte os flocos de quinua e mexa continuamente. Tempere com sal e pimenta a gosto e retire do fogo. Reserve até o momento de servir.

Para a montagem

Arrume um fio de molho de tâmara (que se compra em supermercado ou casa de produtos árabes) no prato. Coloque a costela, um pouco da farofa e enfeite com uma castanha inteira, se desejar. Coloque um galhinho de manjerona ou outro de sua preferência, um pouquinho de azeite e sirva. À parte, deixe uma molheira com o molho, para que cada um se sirva. Bom apetite!

Nenhum comentário:

Postar um comentário