sábado, 18 de janeiro de 2014

LEITE CARAMELADO

O leite bem morno, mexido com um pauzinho de canela...


Quando eu era bem pequena, nossa cozinha ficava em um cômodo na parte final da casa e à frente de quem entrava nela, havia um pequeno jirau. Esse puxado de madeira, ainda muito presente nas casas mais humildes Brasil afora, era um dos meus locais preferidos, onde eu passava  um bom tempo em pé numa cadeira, lavando louça. Antes que alguém pense que minha querida mãe explorava meus talentos precoces, explico: por ter apenas irmãos, não brinquei muito de casinha. Meu divertimento maior era pegar louça de verdade e no tempo que Bombril® durava,  passar horas esfregando panelas, só para ver aquela espuma consistente ir cobrindo de branco minhas mãos.

Eu era tão miúda que precisava da cadeira pra alcançar o jirau. Embaixo dele o chão estava sempre empoçado, pois a água utilizada não era canalizada e demorava um pouco para que a terra absorvesse o excesso. As galinhas e pintinhos ficavam sempre por ali, mais do que interessados em alguma eventual sobra de alimento dos pratos e panelas após lavados.

Foi nessa pequena cozinha de minha infância que lembro da minha mãe preparando uma gemada, que eu rapidamente me interessei em aprender. Gemas amarelinhas  bem batidas em um prato, depois colocadas na tigela pra receber o leite quente ou o chá de jatobá e bem polvilhadas de canela. Receita infalível para a gripe, mas a mim acalmava e dava um conforto enorme.

Desde pequenina, sempre gostei da cozinha. Minhas tarefas eram bem simples, mas eu as fazia com muita concentração. Minha mãe, ao nos ver com gripe ou resfriado, além da gemada, nos preparava uns "lambedores" deliciosos, com malvarisco e outras ervas, cozidas em água e açúcar, que viravam um xarope para tosses e outros males, que reproduzi para meus filhos muitos anos depois, usando apenas os filtros da memória.

Mamãe é  farmacêutica formada, mas jamais deixou de nos tratar enquanto crianças com banhos de cozimento feitos com ervas coletadas na vizinhança, chás e remédios caseiros. Também nunca deixou de nos levar na rezadeira ao menor sinal de moleza ou “espinhela caída”. Dona santa, uma velhinha miúda e muito simpática, nos recebia em sua casa, aquela penca de meninos magrelos, com todo o carinho. Com um barbante, media o antebraço de cada menino ou o meu.

Ato contínuo, esticava o barbante de um ombro ao outro da criança da vez e comparava com a medida do antebraço . Se sobrasse barbante, o diagnóstico estava dado: o menino ou menina estava com “espinhela caída” e era preciso algumas rezas com um galhinho de arruda para ficar bom. Até hoje não sei as consequências dessa "terrível" doença, que certamente devia preocupar muito as mães de antigamente. 

Havia também o temível "quebranto". Esse  acometia basicamente os recém-nascidos. Bastava que o bebê começasse a ficar molinho, sem apetite e com choro fácil para que uma rezadeira de confiança fosse acionada. Justiça seja feita, em quase todos os casos após as rezas, os bebezinhos recuperavam o viço, até que a próxima visita do “olho grande” aparecesse e recomeçasse todo o processo. Da “espinhela caída” não ouvi mais falar. O "quebranto", por sua vez,  segue firme e forte assombrando as famílias.

Em Ocara, no interior do Ceará, havia uma querida senhora, já falecida, mãe de uma numerosa prole. Para dar conta da alimentação de todos, ela aproveitava praticamente tudo que se mexia, incluindo lagartos e sapos. Depois dos filhos já adultos e casados, todos trabalhadores rurais, adquiriu algum conforto, junto com o marido, também aposentado.

Do lado esquerdo de sua cozinha sempre muito limpa e arrumada, ficava o fogão a lenha, para a comida do dia a dia. O fogão a gás quase nunca era usado e apenas enfeitava a cozinha com sua brancura. Quando eu ia por lá, dona Franca (esse era o nome dela) abria uma exceção e fazia pra mim umas “bruacas”, espécie de massa de bodó de formato mais achatado. Ela misturava a farinha, ovo e fermento com suco das laranjas de seu quintal,  ao invés de leite, que comíamos quente, com café coado na hora, uma delícia.

Prevenida, sempre tinha embaixo do armário umas macaxeiras de molho na água para fazer a puba. Assim, quando acabava a safra, ela tinha o seu estoque de farinha garantido para o mingau que gostava de tomar. Após fermentar, essa macaxeira era lavada, escorrida e peneirada. Colocada para secar, sua farinha dá  um mingau muito saboroso. Fresca, a puba entra em bolos como o Souza Leão, oriundo de um tradicional engenho do Recife e aqui no Acre, é a base do tradicionalíssimo pé de moleque, assado em folhas de bananeira e vendido em todas as feiras de Rio Branco.

Além da gemada, havia o leite caramelado, bom para os males da garganta e tão acolhedor quanto. Aproveite para fazê-los na próxima chuva e sinta-se tão abraçado como eu me sentia.



Gemada da minha mãe

Ingredientes

Gemas de ovo, quanto baste
Açúcar, a gosto
Chá de jatobá (feito com água e jatobá, depois coado) ou leite quente, a gosto
Canelá em pó, para polvilhar

Modo de fazer 

As quantidades são indicativas. Para cada gema batida, use aproximadamente 01 colher de sopa de açúcar e 200 ml de chá ou leite, além da canela a gosto, mas você pode variar de acordo com seu paladar pessoal. Passe as gemas na peneira, bata-as muito bem e acrescente o açúcar. Bata mais um pouco e acrescente o chá ou o leite quente. Misture, coloque no copo de servir e polvilhe canela a gosto. Uma delícia!

Leite caramelado

Ingredientes

200 ml de leite
02 a 03 colheres de sopa de açúcar
canela em pó ou em pau, se desejar

Modo de fazer

Numa panela de fundo grosso, derreta o açúcar até ficar com uma cor marrom dourada. Não deixe queimar. Aos poucos, vá derramando o leite com cuidado, pois o caramelo sobe de uma vez. Vá mexendo aos poucos até que o leite vá ficando cor de caramelo. Despeje no copo ou caneca, acrescente o pauzinho de canela ou canela em pó e se delicie. Esse leite é especial para dor na garganta, pelo menos eu não o dispenso. Você pode acrescentar um pouquinho mais de leite ou açúcar de acordo com o seu gosto pessoal.

Bom apetite!

  

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