Irmã Madalena, sempre sorridente, com a caixinha de música para costurar paciência, ao lado do meu marido Marcos Afonso e eu |
Conheci Irmã Madalena ainda criança, aí pelos meus doze anos de idade, quando ela foi minha professora de Artes na sexta série, no colégio Imaculada Conceição, de freiras católicas. Lembro muito bem da calça boca de sino que eu usava quase todos os dias nesta época, com listras rosadas em tons diferentes e do jardim interno da nossa escola, onde as aulas aconteciam, numa sala próxima. Essa área da escola não era liberada para todo mundo e só podia ir ali quem "tinha negócio". Por isso era para mim meio que um jardim secreto e colorido.
Irmã Madalena, da Congregação Servas de Maria Reparadora, sempre foi uma santa, para aturar com bom humor e mão enérgica, aqui e ali, toda sorte de meninos e meninas loucos para fazer travessuras, explodindo de energia acumulada. Não que fôssemos insolentes. Nada disso. Eu lembro que era até muito quieta. Mas imaginem turmas de 12 a 15 anos tendo aulas de artes em 1977 e vocês terão ideia do que ela tinha pela frente.
Com suas aulas aprendi a fazer um fantoche e grude para colar o que fosse preciso, pois era mais acessível e não gastava os minguados salários de nossos pais com cola branca. Colocava-se jornal de molho e depois de uns dias passava-se com água no liquidificador, espremia-se e depois juntava-se cola, formando uma massa que era modelada em cima de um saco redondo cheio de milho para formar a cabeça. Depois de seco, pintávamos e colocávamos roupinhas e enfeites.
Foi nessa época que acabei com toda a coleção de fronhas e lençóis brancos que minha mãe havia comprado para abastecer a casa. Irmã Madalena também dava aulas de pintura e como eu adorava pintar, a cada lição eu corria para o guarda-roupa de casa, puxava uma fronha ou lençol ainda na embalagem e com um ou outro na mão, rumava para a aula. Lá, os enchia de frutas e flores, cujas pinceladas tinham sempre o olhar benevolente da Irmã. Ainda bem que minha mãe era compreensiva e a aluna não de todo má, de maneira que não se criou nenhuma tragédia, para minha sorte.
Passei muitos anos sem ver Irmã Madalena e quando voltei para o Acre, descobri que ela é muito amiga da família de meu atual marido, além de devota de Nossa Senhora de Guadalupe, por quem tenho especial carinho. Trabalhadora aos extremos, esse doce de pessoa sempre deu sua contribuição onde foi requisitada, tendo passado vários anos no hospital Santa Juliana, aqui no Estado, em Portugal e em várias localidades Brasil afora, espalhando seu sorriso e sua alegria. Sempre me senti criança de novo, além de bem protegida, em todas as vezes que a encontro.
Mas nesses dias, soubemos que a Irmã está enferma, repousando para sua recuperação. Nada que tire o seu sorriso e sua esperança. E ao fazermos uma visita, meu marido e eu nos emocionamos muito com a história de sua vida e com sua fé inabalável. Hoje com setenta e poucos anos, Madalena era ainda uma menina de família muito humilde, vinda do Ceará para tentar a sorte por aqui, quando decidiu ser freira, após ter acesso à vida de Joana Angélica.
Morando em um ramal longe da cidade, quando conseguiu convencer os pais, pegou um dos irmãos e saiu pela mata ainda de noite. Um pouco assustada, resolveu pernoitar na floresta até que o dia clareasse e conseguiu chegar ao convento da cidade para se apresentar, na manhã seguinte. Isso foi em Sena Madureira, cidade do interior do Acre. Tanto insistiu que conseguiu convencer o bispo local de sua vocação, após ser pega ajoelhada na igreja fazendo promessa para todos os santos presentes, de um por um. Perguntamos para ela se em algum momento teve dúvidas do caminho escolhido. A resposta veio rápida e firme: "Nunca!". Irmã Madalena toca piano, pinta, borda e ainda cozinha, tendo feito inúmeros cursos no Rio, em Santa Catarina e outras localidades do Brasil.
Descobri que a herança cearense a fez abrir mão de um presente. Minha sogra, ao viajar para o Nordeste uma época, recebeu a dica: "Neuza, se é de você trazer para mim algum presente, eu troco por castanha de caju!!" E ao conversarmos sobre receitas nesta visita, descobri que sua paixão por nata deu origem a um biscoitinho, famoso entre as freiras. A veia de cozinheira foi imediatamente atiçada: "Irmã, não teria a senhora esta receita?"
Pois na próxima visita não é que ela estava com uma folhinha de caderno na mão, com a preciosa receita anotadinha e tudo? Havia pedido a alguém que fizesse a busca e conseguiu localizar esta e uma outra receita, cuja foto anexo a este post. Meu marido, sempre que a visitamos, leva flores. Ela ri, encantada e diz que todo mundo pergunta quem a está mimando. Da última vez que estivemos com ela, recuperava-se do tratamento, mas sem reclamar de nada. Levamos uma caixinha de música que por uma dessas incríveis coincidências, reproduz a música "Pour Elise", de Beethoven, que ela toca ao piano e que era a música com que um irmão a recebia, sempre que o visitava.
A caixinha fez o maior sucesso, por imitar de forma muito perfeita uma máquina de costura, com pedal e tudo. Mas o sucesso maior foi pela frase com que meu marido entregou o presente para ela: "Irmã, esta máquina é para a senhora costurar paciências..." Estamos agora com todas as energias voltadas para sua recuperação, que esperamos que aconteça breve. Fiz a receitinha como a original, usando nata caseira e salgada. Usei 1/2 colher de sopa do fermento, mas não recomendo. Substituí na receita original para 1 colher de chá, mas resolvi testar também sem o fermento e achei o resultado melhor.
Fiz outros dois testes, desta vez usando nata industrializada, da marca Balkis. Em um deles, mantive as proporções da receita original, apenas tirei o fermento. No outro, inverti as quantidades de farinha e amido de milho. Neste caso, precisei colocar um pouquinho mais de amido, farinha e açúcar (1 colher de sopa de cada e 1/2 colher de sopa de açúcar) e ficou uma massa mais macia. É um biscoitinho mais rústico, que você não deve manusear demais, para que a massa não fique dura. Das opções que testei, achei melhor a receita original, sem o fermento. Então, mãos à obra, ainda dá tempo de fazer para o domingo! Bom apetite!
Biscoitinhos de nata da Irmã Madalena (adaptada)
Ingredientes
02 xícaras de farinha de trigo
01 xícara bem cheia de amido de milho
01 xícara de nata
01 xícara de açúcar
01 colher de sopa de manteiga
01 colher de chá de fermento em pó (achei melhor o resultado sem o uso do fermento)
01 pitada de sal
Modo de fazer
Misture todos os ingredientes apenas até homogeneizar, enrole em bolinhas e arrume na assadeira, sem untar. Achate as bolinhas com um garfo, coloque em forno moderado pré-aquecido por uns dez minutos ou até assar. Esse biscoito não fica dourado, só a base escurece um pouquinho, por isso preste atenção ao forno. Aguarde esfriar e coloque-os em potes bem vedados ou em saquinhos de celofane para dar de presente. Experimente com chá, café ou chocolate quente!
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Para ouvir:
Uma das versões de Pour Elise, de Beethoven:
http://www.youtube.com/watch?v=yAsDLGjMhFI
Outra versão, mais parecida com a caixinha de música:
https://www.blogger.com/blogger.g?blogID=4389074753650099561#editor/target=post;postID=9218871653757797679;onPublishedMenu=allposts;onClosedMenu=allposts;postNum=0;src=postname