sábado, 16 de novembro de 2013

NÃO TEM MOCOTÓ, MAS TEM TAPIOCA

O dadinho de tapioca com a geléia de pimentão defumado...


Antes que vocês pensem que não tem mais boi na cidade, explico: faz um tempão que eu tenho vontade de testar essa receitinha, de um chef de São Paulo chamado Rodrigo Oliveira, dono junto com o pai, de um restaurante agora bem famoso chamado Mocotó. O Mocotó começou com o pai dele há muitos anos atrás, vendendo comida típica do Nordeste, entre as quais um cozido de mocotó com favas que deu fama ao lugar.

O filho Rodrigo foi aos poucos se aproximando da cozinha, cursou gastronomia e a cada vez que o pai viajava, ia dando uns pitacos na cozinha e fazendo pequenas reformas. Até que um dia o Mocotó explodiu e caiu no gosto das pessoas antenadas de São Paulo. Não visitei o restaurante ainda. Ele continua fora do circuito chique dos Jardins e bem longe do centro da cidade, mas por tudo que leio a respeito, continua fiel à excelência da cozinha e serve igualmente bem os frequentadores comuns e os chefs estrelados.

Todos dizem que suas porções são fartas e a preços acessíveis, o que faz muita diferença numa cidade como São Paulo, onde as pessoas amam comer fora. Rodrigo já abriu um segundo restaurante, onde pode exercitar o seu lado de chef e inovar um pouco mais, mas continua simples e dividindo com os funcionários todos os louros. E, sim, seu pai continua por lá, embora já permita ao filho tomar de conta do pedaço. Já li muito a respeito do Mocotó e essa é a segunda receita que testo. A primeira, ainda não compartilhada aqui, é de um pudim com tapioca e coco, um pecado. A segunda, esses dadinhos de tapioca. Os daqui de casa, servi com geléia de pimentão defumado e páprica picante, mas você pode servi-los com molho de pimenta.

Eles são simplesmente irresistíveis, crocantes e macios ao mesmo tempo. Como não tinha certeza se acertaria o ponto, dei uma adequada nas quantidades e dividi a receita por quatro. Também não tinha queijo coalho e usei queijo Minas para substituir, o que me parece, deixou a massa mais macia. Usei a tapioca em flocos, que demora menos para hidratar. Na fritura, recomendo usar bastante óleo e fritar poucos por vez, para que não grudem. Eu não bebo, mas esses dadinhos com uma cerveja bem gelada tiram qualquer um do sério. Experimente!


Dadinhos de tapioca do Mocotó (adaptado)

Ingredientes

02 xícaras de farinha de tapioca em flocos (pode ser usada a de bolinhas mais duras. Nesse caso, deixe hidratar por mais tempo)
1 1/4 xícara de leite fervente
3/4 xícara de queijo coalho (usei o queijo Minas) ralado
sal e pimenta do Reino a gosto
Óleo para fritar
molho de pimenta ou geléia picante para acompanhar

Modo de fazer 

Numa tigela média e se possível, quadrada ou retangular, coloque a tapioca, misture o queijo, polvilhe sal e pimenta a gosto. Vá despejando o leite fervente, sempre mexendo, para não formar grumos. Alise e deixe descansar pelo menos três horas na geladeira. Após esse tempo, corte em pequenos cubos e frite no óleo quente, bem abundante. Escorra em papel toalha e sirva com um bom molho de pimenta ou uma geléia picante, acompanhado de uma cerveja bem gelada.

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Quando for a São Paulo:

Mocotó - acesse www.mocoto.com.br

Esquina Mocotó - acesse www.esquinamocoto.com.br

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

RISOTO DE PIRARUCU

O arroz no cozimento lento e o prato prontinho para o abate...


A  correria no final de semana me deixou muito pouco tempo para cozinhar e terminei não publicando nada nesse último domingo. Mas lembrei que fiquei devendo a mim mesma compartilhar no blog esta receitinha simples que só depende de bons ingredientes e um pouco de paciência para ficar deliciosa.

Se não tiver o arroz próprio para risoto, improvise com um de boa qualidade e diminua o tempo de cozimento, é claro, para que ele não fique empapado. O resultado é um prato único, leve, que só precisa de uma salada e um bom copo de vinho para acompanhar. Ou, no meu caso, água bem gelada. Experimente!

Risoto de pirarucu

Ingredientes

500 g de pirarucu dessalgado, desfiado (de preferência use o filé. Caso não encontre, após dessalgar, retire pele e espinhas)
02 xícaras de arroz carnaroli (italiano, próprio para risoto. na falta, substitua por um de sua preferência)
05 xícaras de caldo do prirarucu (ou um pouco menos, caso utilize outro arroz)
1/2 xícara de vinho branco
1/2 lata de tomates pelados, com o caldo
1/2 colher de sopa de manteiga fria
azeite
cebola picadinha, a gosto
alho picado, a gosto
Coentro e cebolinha picadinhos, a gosto
Sal
Água fervente
Chicória picadinha, a gosto (veja mais informações em
 http://pt.wikipedia.org/wiki/Coentro-bravo . Na falta, use salsinha a gosto, bem picada) 


Modo de fazer

Numa panela larga, coloque azeite a gosto e refogue um pouco de cebola e alho, sem deixar queimar. Acrescente o tomate pelado em pedaços pequenos e uma pitada de sal. Junte um pouco de coentro, cebolinha e chicória (se não tiver, use um pouquinho de salsinha). Arrume os pedaços de pirarucu por cima do refogado, coloque água fervente para cobrir e deixe cozinhar um pouco, até o pirarucu ficar macio. Retire os pedaços de pirarucu da panela e reserve. Vá acrescentando mais água e temperos, de modo que o caldo fique bem saboroso. Se for necessário, acrescente um pouco de sal. Em outra panela, coloque 02 ou 03 colheres de azeite, acrescente cebola picadinha a gosto e 01 ou 02 dentes de alho amassados. Não deixe dourar. Acrescente as 02 xícaras de arroz carnaroli (ou outro de sua preferência) e refogue um pouco. Acrescente o vinho branco e mexa mais um pouco. Vá acrescentando o caldo fervente, aos poucos, sempre mexendo o arroz. Demora aproximadamente uns vinte minutos para ficar pronto. De vez em quando, prove o grão, ele deverá estar firme ao ser mastigado, ou seja, al dente. Não deixe cozinhar demais. O arroz deverá ser mexido continuamente, pois dessa forma libera o amido e o caldo vai ficando cremoso. Nos últimos cinco minutos ou um pouco antes de ele estar cozido, acrescente o pirarucu reservado e a chicória picadinha. Mexa bem. O arroz não pode ficar seco, deverá estar envolto em um pouco de caldo. Risoto é um prato que não espera. Assim que ficar pronto, acrescente a manteiga, mexa, desligue o fogo e aguarde 02 ou 03 minutos para servir. (Caso não use arroz italiano, que não precisa ser lavado, diminua a quantidade de caldo conforme o seu gosto e fique atento ao ponto de cozimento do arroz). Não utilize queijo parmesão, pois peixe e frutos do mar não combinam muito bem com ele. O uso da chicória ou mesmo a salsinha, além do tomate pelado, pode deixar o caldo um pouco ácido, nesse caso eu utilizo uma pitada de açúcar. Seu paladar é seu melhor conselheiro. Experimente, é uma delícia!  

Obs. 1: nos supermercados da cidade, é possível encontrar arroz próprio para risoto, de dois tipos: arboreo e carnaroli 

Obs. 2: O caldo deve estar sempre fervente e a manteiga no final deve ser colocada fria, para dar mais cremosidade ao prato.







terça-feira, 5 de novembro de 2013

MADELEINES E SAUDADE





Estava nesse último domingo chuvoso, com cara de cobertor quentinho e uma boa xícara de café quente, com saudades do filhote mais velho que está longe, longe, embora esteja bem perto do coração e ao alcance das maravilhas tecnológicas que me fazem falar com ele o dia todo, o que ameniza um pouco a sua ausência.

Daqui a uns dias, o mais novo também zarpa, embora a princípio por um período menor, mas necessário para seu descanso físico e mental. E para o meu também, porque não? nada de ficar pegando no pé dele para comer, nada de ficar chateando o coitado com o horário de dormir...às vezes esqueço que na idade dele eu já era uma pré-revolucionária, fazendo pichações pelos muros brancos que aparecessem pela frente.

Mas como diz Belchior e sem nenhum demérito para meus queridos pais, tão amados, 

"...Minha dor é perceber 
Que apesar de termos 
Feito tudo o que fizemos 
Ainda somos os mesmos 
E vivemos 
Ainda somos os mesmos 
E vivemos 
Como os nossos pais...

(Como Nossos Pais, de Belchior)

Talvez como eles, me pego olhando as horas nas poucas vezes em que meu pequeno sai de casa, ocupado que está com o Enem e o seu entorno: cursinho, provas e simulados. Mas, diferentemente deles, não tenho que ligar de um orelhão de vez em quando para dizer que estou bem e os piquetes não me tiraram nenhum pedaço. Vivemos hoje numa democracia, conquistada a ferro e fogo.

Isso não quer dizer que nadamos em mar de azeite. Como disse frei Betto em sua última palestra aqui em Rio Branco, Acre, o recado dos milhares de jovens que foram às ruas recentemente é claro: eles melhoraram de vida, mas não se sentem incluídos politicamente. E se sentir incluído políticamente vai muito além dos kkkkkkkk's do facebook. Quero crer que conseguiremos.

Mas voltando aos meus filhotes e do tamanho do orgulho que sinto deles, passo boa tarde do meu tempo na ansiedade de alimentá-los: claro, também tem frutas e legumes, e saladas e carnes grelhadas. Mas não resisto em oferecer um bolinho ou biscoitinho quentes, saindo do forno, ou um pedaço de torta ou empadão. Quando eram pequenos, tomavam água de coco direto, comiam pratos gigantescos de salada e montes de frutas. Refrigerante, só no final de semana e olhe lá.

Cheguei ao ponto de proibir qualquer doce para o mais velho até uns quatro anos de idade. Levava mel para a escola e nem biscoito recheado era permitido. Uma vez quase tenho um troço quando diante da proibição geral e em visita à casa de meus pais, vi meu velho dando para ele um Sonho de Valsa. Escondido, é claro.

Com o mais novo, relaxei um pouco e ele terminou tendo mais acesso a doces. Não sei se adiantou muito: o mais velho é uma formiguinha e o mais novo não dá muita bola para bolos e docinhos. Mas, tirando a preguiça de descascar laranja, eles continuam adorando frutas e legumes, saladas e água de coco. Menos mal. 

Um dia desses, o mais velho me mandou uma mensagem, indignado. Comprou uma geléia e não gostou nada do sabor. A marca é boa, mas chegamos à conclusão que por trás da geléia que ele comia aqui em casa, feita com frutas fresquinha, há muito amor. E isso não tem marca industrializada que dê jeito.  Portanto, para agradar meus pequenos e o maridinho, os amigos e os familiares, nada como lembrar das madeleines, bolinho francês imortalizado na obra de Proust.

Ao provar uma xícara de chá com um singelo bolinho em forma de concha (a madeleine) o escritor evoca na memória a infância passada em Combray. Uma torrente de sentimentos vem à tona e serve como inspiração para uma das maiores obras da literatura mundial, o romance Em Busca do Tempo Perdido. No primeiro volume, No Caminho de Swann, está a passagem abaixo, transcrita do blog Malagueta - Palavras Boas de Se Comer. Peço licença ao blog, uma vez que meu livro está dentro de sabe lá qual caixa desde nossa mudança.
(veja a matéria em

Trecho:

(…) É assim com o nosso passado. Trabalho perdido procurar evocá-lo, todos os esforços da nossa inteligência permanecem inúteis. Está ele oculto, fora de seu domínio e do seu alcance, nalgum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) que nós nem suspeitamos. Esse objeto, só de acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não encontremos nunca.
Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra os meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por quê, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena.
Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes as vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal.
De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligado ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde aprendê-la? Bebo um segundo gole em que não encontro nada demais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim.
A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui a um instante e encontrar intacto à minha disposição, para um esclarecimento decisivo. Deponho a taça e volto-me para o meu espírito. É a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. Explorar? Não apenas explorar: criar. Está em face de qualquer coisa que ainda não existe e a que só ele pode dar realidade e fazer entrar na sua luz. (…)
No Caminho de Swann, extraído do cap. I, ed. Abril, tradução de Mario Quintana, citado pelo blog Malagueta - Palavras Boas de Se Comer

As madeleines aqui apresentadas são uma receita executada pela chef Rachel Khoo, no programa A Pequena Cozinha em Paris, do canal GNT, da Sky,  receita esta dada por uma amiga dela, Frankie Unsworth. Fiz a receita original, mas a quantidade de manteiga deixou o bolinho muito empapado. Reduzi a manteiga para a metade e ficou perfeito, nem seco nem amanteigado demais. Não fiz o creme de limão (lemon curd) que o acompanha por preguiça. Mas coloquei sementes de chia, pedaços de gengibre cristalizado e pedaços de chocolate meio amargo com 85% de cacau, ficou muito bom. Especial para tomar com uma bela xícara de chá e quem sabe, servir de inspiração para escrever um belo romance.


As forminhas para madeleine tem o formato de pequenas conchas
Madeleines (adaptadas) 

Ingredientes 

Para a massa

100 g de manteiga de boa qualidade, derretida e esfriada
130 g de açúcar 
200 g de farinha de trigo sem fermento
raspas da casca de um limão (usei o siciliano. Se usar o Tahity, reduza a quantidade)
03 ovos
10 g de fermento em pó (ou 02 colheres de chá)
60 ml de leite
20 ml de mel
Açúcar de confeiteiro para polvilhar (atenção, não é o impalpável. Usei Glaçúcar, da União)
Pedaços de gengibre cristalizado, chocolate meio amargo e sementes de chia, opcionais

Modo de Fazer

Para a madeleine

De preferência, você deve começar esta receita na véspera. Bata os ovos e o açúcar até esbranquiçar. Em outra tigela, coloque a farinha, o fermento e as raspas de limão. Reserve. Na tigela em que bateu o ovo, acrescente o leite, o mel e a manteiga derretida e esfriada. Misture devagar e acrescente a farinha com o fermento e as raspas. Misture até ficar bem homogêneo. Cubra com filme plástico e deixe na geladeira de um dia para o outro. No outro dia, acenda o forno em 180 graus. Caso não tenha as forminhas próprias para madeleine, use forminhas de empada ou cupcake. Passe manteiga e enfarinhe bem todas elas e vá colocando porções de massa sem encher demais. Caso use, coloque por cima pedacinhos de gengibre cristalizado, sementes de chia ou pedacinhos de chocolate meio amargo. Leve ao forno já quente até dourar. Retire as madeleines das forminhas após alguns minutos e aguarde esfriar um pouco. Polvilhe com açúcar de confeiteiro. Se usar o creme, não é necessário colocar o gengibre ou os outros, fica a seu critério. É uma delícia para comer com uma xícara de chá ou café. Experimente! 

Obs: deixo de fornecer a receita do lemon curd utilizado por Rachel Khoo pois não a fiz para testar e observei uma inconsistência na receita fornecida no site do GNT. Mas é fácil pesquisar na internet uma receita alternativa, à base de limão siciliano, gemas, manteiga, açúcar e suco de limão, que deve ser aplicado no bolinho com saco e bico de confeitar.




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Para ouvir Como Nossos Pais na bela voz de Elis Regina, acesse: 

sábado, 2 de novembro de 2013

QUANDO O CÉU ENCONTRA A BOCA

Marcos Afonso, frei Betto, eu e Padre Luis Ceppi, com a Rainha da Floresta



Frei Betto

Padre Luis Ceppi, frei Betto e Elenira Mendes, filha de Chico, em Xapuri, Acre

Padre Luis Ceppi, frei Betto, Elenira Mendes e Marcos Afonso, em Xapuri, Acre

Frei Betto e a Rainha da Floresta no Seringal Cachoeira

Frei Betto e padre Luis Ceppi com a Rainha da Floresta

Frei Betto e Marcos Afonso, com a Rainha da Floresta

cipó com vários nós, Seringal Cachoeira

Seringueira recém-cortada para extração do látex, Seringal Cachoeira

Árvore na mata, Seringal Cachoeira

Não é todo dia que temos a sorte de encontrar pelo caminho pessoas especiais. Pessoas cujo histórico de vida já nos fariam ter respeito e orgulho por pertencer à raça humana. Pessoas que há muito deixaram de lado as vaidades cotidianas e se debruçam em um exercício diário de amor ao próximo e de solidariedade. E que com a sua presença e seu trabalho, nos deixam mais confiantes e protegidos. Frei Betto é assim.

E me senti extremamente privilegiada por ter convivido um pouco com suas ideias,  em recente visita ao nosso Estado, onde tivemos acesso à palestras, aos livros e, principalmente, ao pensamento lúcido e contemporâneo desse frei dominicano que há décadas participa no Brasil e no mundo da luta pelos direitos humanos, pelas liberdades democráticas e por um mundo mais justo. Frei Betto veio ao Acre como parte da programação que resgata a luta de um dos maiores líderes do Brasil e hoje, do mundo, o seringueiro Chico Mendes.

Há 25 anos atrás, Chico foi covardemente assassinado. Seus ideais, entretanto, não sucumbiram à sua morte e sua luta serve de exemplo para as gerações de hoje.  No Seringal onde Chico viveu, o Cachoeira, existe hoje uma comunidade sustentável que vive do manejo correto da castanha, da extração do látex e da madeira. Grande parte de seus familiares ainda trabalha e reside lá. Não estão ricos, mas há escola, alimentação, uma pousada ecológica tocada em parceria com a comunidade e o mais importante: os jovens não querem sair do Seringal.

Isso mostra que apesar dessa realidade não ser a mesma para todos os seringais do Acre, é possível conviver com a floresta sem devastá-la, tirando dela o sustento familiar. E principalmente, de cabeça erguida. Frei Betto conheceu Chico Mendes e teve contato com sua luta. Tornou-se um amigo do Acre e esteve entre as personalidades presentes aos funerais de Chico, junto com Lula e Benedita da Silva. 

Poderia passar um bom tempo discorrendo aqui sobre a sua extensa biografia e seus mais de cinquenta livros publicados e os muitos prêmios dos quais foi merecedor.Entre eles, dois prêmios Jabuti, o maior reconhecimento literário a um escritor no Brasil. Frei Betto tem livros publicados aqui e no exterior e fala de sua convivência com ícones como Fidel e Lula de forma muito natural, como se eles estivessem aqui do nosso lado. 

Mas prefiro falar daquilo que não está escrito. Da primeira impressão.  Ao vê-lo, ainda no hotel, lembrei imediatamente que estava diante também de um autor de livros de culinária. Além disso, sua mãe, a  escritora e culinarista Maria Stella Libanio Christo,  foi uma das maiores conhecedoras da comida mineira e é autora de oito livros sobre o tema, entre eles Fogão de Lenha - 300 Anos de Comida Mineira, uma referência na gastronomia das Gerais. Dois de seus livros foram escritos em parceria com o filho,  Fogãozinho - Culinária Infantil em Histórias e Saborosa Viagem pelo Brasil. Maria Stella faleceu em 2011. 

Não o achei muito mineiro no primeiro contato. Acho que exercitei bem o sentido da palavra preconceito e me preparei para alguém de fala mansa, calado e quem sabe, até meio sisudo. Frei Betto  é ágil, de ideias claras e mesmo com uma extensa agenda, não reclamou de nada. Aos 69 anos, com cara de muito menos, deu instruções sobre o que queria e como queria. Perguntado após a maravilhosa palestra para 300 pessoas, no anfiteatro da Ufac, o que o fazia assim tão jovem, respondeu bem-humorado: "meditação!", lição que ele também dá, no seu último livro, Fome de Deus, quando fala "Meditar não é difícil como se imagina....É preciso perder a mania de querer tudo controlar através da mente.É preciso despojar-se dela. Calá-la. Penetrar nos seus bastidores. Virá-la pelo avesso. Fechar os olhos da mente, tão gulosa e soberana. Quanto mais conseguir cegá-la, mais se verá a luz. A mente é capaz de apreender a física da luz. Mas não a própria luz - esta, só a meditação capta."

Ao saber que amo cozinhar e tenho este blog, após o almoço e antes de sua palestra, presenteou-nos (a mim e meu marido) com um de seus livros, que segundo ele, "...nunca deixa de vender...", o Comer como um Frade - Divinas Receitas Para Quem Sabe Por Que Temos Um Céu Na Boca, onde a autêntica comida de alma e de raiz é apresentada junto com pitadas de bom cristianismo. Mal sabia ele que numa autêntica corrida de Fórmula 1, eu havia preparado uma fornada de biscoitos de castanha (veja a receita aqui: http://mesanafloresta.blogspot.com.br/2011/11/biscoitinhos-para-um-filho-distante.html) que, para minha alegria eterna, ele adorou e elogiou.

No Seringal Cachoeira e acompanhado entre outros de Elenira Mendes, Frei Betto foi ao encontro da comunidade e dos familiares de Chico, relembrando a matriarca da família, d. Cecília Mendes, recentemente falecida. Também demonstrou o maior respeito ao adentrar a mata para conhecer uma samaúma de 500 anos, que é chamada de Rainha da Floresta, pelo seu porte e história: 35 metros de altura e 25 metros de diâmetro. Mesmo com a maratona de atividades, pequenas visitas, palestras e a viagem ao Seringal debaixo de chuva, em nenhum momento o vi perder a tranquilidade. Poderia mesmo dizer: um príncipe, apesar do cansaço!

Emocionei-me ao ver Marlene, prima de Chico Mendes, colocar a poronga acesa sobre sua cabeça, num momento de fraternidade e respeito. Também me emocionei quando a pedido dele, todos demos as mãos e independentemente da opção religiosa, foi rezado o "Mãe e Pai Nossos" e ao ouvir os seringueiros presentes entoando uma música em homenagem ao Betto, como perguntei se podia chamá-lo. Homem de Deus, sim, mas com o coração cheio de paz e um amor real pelos semelhantes, essa foi a minha principal impressão. 

Conhecer alguém especial é sentir saudade com tão pouca convivência. Ainda estou processando (para usar uma expressão muito usada pelo meu marido, um dos integrantes da comissão que está organizando todas as atividades relativas aos 25 anos Chico Mendes Vive Mais) esta visita, mas tenho certeza que foi uma das coisas mais prazerosas que me aconteceu este ano.

E nesta tarde chuvosa resolvi experimentar uma das receitas do Betto e a fome e a praticidade me levaram ao Empadão São Clemente. Feito para quatro pessoas, aqui em casa parece que apenas duas vão dar cabo dele, caso o meu jovem filho não acorde a tempo de comê-lo. (Não, não, prometo guardar pelo menos um pedaço). Precisei improvisar no recheio, pois não tinha todos os ingredientes. Pelo mesmo motivo, troquei a colher de sopa de queijo ralado da massa por três pitadas de sal. Sei que o Betto vai me perdoar a licença poética, pois da próxima vez os ingredientes estarão todos a postos. Mesmo assim, ficou delicioso! Foi comido fumegante, assim que saiu do forno! Experimente, é rápido e fácil!










Empadão São Clemente (adaptado, receita constante do livro Comer como Um Frade - Divinas Receitas Para Quem Sabe Por Que Temos Um Céu Na Boca - ed. José Olympio)


Ingredientes

Para o empadão:

01 xícara de chá de leite
01 xícara de chá de farinha de trigo
1/4 xícara de chá de óleo 
03 ovos
01 colher de sopa de fermento químico
01 colher de sopa de queijo ralado (como não tinha em casa, usei três pitadas de sal)
01 gema de ovo para pincelar

Para o recheio:

100 g de presunto picado
100 g de queijo mozarella cortadinha
03 tomates sem semente picados
02 cebolas picadas
(como não tinha tomates maduros, substituí por um pedaço grande de alho poró cortado em rodelinhas e dois tomatinhos verdes, além de 01 cebola picada, refogados todos juntos em 02 colheres de azeite, só para murchar)

Modo de Fazer

Empadão:

Ligue o forno antes de começar, em 220 graus. Passe manteiga e farinha de trigo em uma assadeira de vidro quadrada, não muito funda (ou outra de sua preferência). Como alterei um pouco o recheio, leve ao fogo uma frigideira com as duas colheres de azeite e acrescente o alho poró, o tomate verde e a cebola, deixando murchar um pouco. Reserve. No copo do liquidificador, coloque o leite, a farinha, o óleo, os ovos, o sal ou o queijo ralado e o fermento e bata bem. Despeje metade na assadeira, espalhando bem. Por cima, distribua o recheio de alho poró ou os tomates e cebolas como no original, o queijo e o presunto picados. Por cima, coloque o restante da massa e alise para que cubra todo o recheio. leve ao forno até dourar. Retire do forno um pouco antes de estar pronto, passe a gema diluída em um pouquinho de azeite, se desejar e volte ao forno por mais cinco minutos. Sirva quente ou aguarde esfriar, se conseguir. Nem precisa de acompanhamento e a massa, sem trocadilho, é de comer rezando!
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Para saber mais: