Moqueca pronta para o abate... |
Ainda me lembro como se fosse hoje da primeira vez que vi o mar. Melhor dizendo, a primeira vez que em que me dei conta de que aquela imensidão azul era muito, mas muito maior do que o rio a que eu estava acostumada, tinha outra cor, outro sabor e o mais estranho, não dava para andar nele de canoa.
Eu devia ter uns cinco anos e minha mãe fazia a primeira visita aos pais, irmãs, cunhado e sobrinhas que haviam arribado numa viagem inversa à que os cearenses fizeram para o Acre. A rua em que meus parentes agora moravam era o sonho de consumo de qualquer menino soltador de papagaio, tamanho o vento, a fazer redemoinhos e levantar as saias. Em vez de tijolos, areia muito branca, a entrar metida pelas sandálias dos pequenos.
Voltando ao mar, meu tio pegava aquele bando de meninos deslumbrados e nos levava a todos para uma praia nesta época muito limpa e eu nem mesmo imagino como fazia para nos controlar e evitar que a falta de costume nos fizesse engolir muito sal.
De quando em vez, saíamos bolando, levados por ondas que empurravam tudo, até crianças magrinhas que ainda não sabiam como se comportar.
Mas, o meu maior encantamento era esperar a onda vir e de costas para o mar, em pé na praia, esperar que ela voltasse e transformasse meus pés em pequenas pranchas de surfe, dando a nítida impressão para os meus olhos de menina, de que eu é que saía do lugar, não a água ao passar pelos meus pés. Por muito tempo naveguei nessa ilusão. Até que, já grandinha, voltei ao mar e ao tentar reproduzir aquela lembrança tão cara, percebi que havia me enganado.
Passei um bom tempo sem acreditar. Minha sensação foi aquela de quem chega já crescido num quintal que frequentava na infância, após muitos anos sem pisar naquele chão e se dá conta de que ele é infinitamente menor do que o tamanho que ficou na lembrança. Mas, optei por acreditar que sim, é possível surfar na areia. E mesmo adulta, guardei aquele encantamento como um presente, uma lembrança feliz a que eu recorro quando preciso lembrar que meus pés, ainda que sem sair do canto, podem me levar a viagens infinitas. Basta ter espírito de criança e deixar a vida fluir.
Esta semana consegui tirar alguns dias necessários de férias. Não o suficiente, mas o possível, o que já está me fazendo um bem enorme. E hoje consegui molhar os pés na água do mar e de novo lembrar a criança que fui. E também fiz a primeira visita aos pais da namorada do meu filho mais velho, uma família encantadora, que tive muito prazer em conhecer. E reencontrei velhos e queridos amigos, que sempre estarão no meu coração. Assim como as águas, a vida segue em ondas e nos mostra os começos e recomeços de cada ciclo e estou muito feliz por essa nova etapa.
Para comemorar, nada como uma boa moqueca, com o peixe e o camarão comprados fresquinhos ali perto da casa da Rosa, minha querida anfitriã, que sabe como é, não tem colher de medida nem batedeira em casa, mas adora comer. Na sobremesa, um creminho gelado, receita da Artemisa, a mãe da minha norinha, uma delícia.
Moqueca para o jantar, à minha moda
Ingredientes
1 kg de filés de pargo (peixe de água salgada) ou equivalente, sem a pele, cortado em postas
1/2 kg de camarões sem casca
2 tomates maduros
1 pimentão verde
1 cebola grande
ramos de salsinha picados finamente, a gosto
1/2 xícara de cebolinha, picada finamente ou a gosto
1 limão
4 dentes de alho pequenos
5 a 6 colheres de sopa de azeite de dendê ou a gosto
colorau a gosto
1/2 vidro pequeno de leite de coco ou a gosto
sal a gosto
Azeite a gosto
Água quente
Modo de Fazer
Lave rapidamente os pedaços de peixe, coloque-os numa tigela e sobre eles, esprema meio limão, deixando por alguns minutos. Lave novamente, seque ligeiramente e passe sal sobre um dos lados de cada pedaço, não demais. Deixe descansar por aproximadamente meia hora. Corte um tomate, metade do pimentão e da cebola bem picados. Corte o restante em rodelas, assim como o outro tomate. Reserve, juntamente com a salsinha e a cebolinha picados, arrumados em um prato. Lave os camarões com água e limão, escorra e coloque um pouquinho de sal. Reserve. Numa panela média coloque 3 a 4 colheres de azeite e o alho amassado e deixe dourar levemente. Acrescente a cebola, o pimentão e o tomate picados, bem como um pouquinho da salsinha e cebolinha picados. Deixe refogar, acrescente 1 a 2 colheres de chá de colorau, misturando bem. Coloque algumas colheradas de água quente, para não grudar e deixe refogar mais um pouco. Arrume com cuidado as postas de peixe por cima do refogado, até preencher a panela. Coloque fatias de tomate, pimentão e cebola por cima, bem como salsinha e cebolinha picados. Regue com metade das colheres de azeite de dendê ou um pouco mais, se gostar. Faça uma segunda camada do peixe e verduras, tampe a panela e deixe cozinhar alguns minutos. Acrescente um pouco de água quente, ajuste o sal e tampe novamente. Após 5 ou 6 minutos, distibua os camarões por cima, regue com o leite de coco e deixe cozinhar mais um pouquinho, o suficiente para que os camarões avermelhem. Polvilhe cebolinha e sirva com arroz branco e pirão, se desejar. Esta aqui foi feita com um pouquinho mais de dendê, mas ele pode ser reduzido, a gosto. Deixe descansar por 5 minutos e sirva em seguida. Lembrete: peixes e camarões jamais podem cozinhar demais, bastam alguns minutos.
Sobremesa da Artemisa ligeiramente adaptada
1 lata de leite condensado
2 potes de Danette (marca registrada) de chocolate branco (pode ser do escuro)
2 caixinhas de creme de leite (1 apenas na receita original)
1/2 xícara de flocos de Ovomaltine (marca registrada) ou a gosto
Bater no liquidificador o leite condensado, os potes de Danette e o creme de leite. Forrar o fundo de um refratário com os flocos de Ovomaltine, despejar com cuidado os ingredientes batidos e polvilhar mais Ovomaltine. Levar ao congelador e servir quase congelado, em taças. Delicioso!
No jardim de amigas, Rosa e Roza e Cleide, irmã da Rosa: moqueca e vinho, sobremesa e bolo para mais tarde... |