sábado, 14 de janeiro de 2012

QUANDO OLHAR PARA TRÁS É IR PARA A FRENTE

Bolinho de arroz, para comer com pimenta...


Cresci na Rua 06 de Agosto, andando de bicicleta e jogando futebol com os irmãos e na época da manga subindo cedinho no "meu" pé preferido, armada com uma faca de mesa na boca, para  comer manga verde no galho mais alto da árvore. Soltei "papagaio" e fiz muito "cerol" com cola de sapateiro derretida onde se acrescentava caquinhos de  lâmpada queimada quebradinha até virar pó. Depois era só esticar a linha e ir passando aquela mistura com cuidado para turbinar os papagaios. Mais politicamente incorreto, impossível, mas nós ainda não sabíamos disso.

Cresci pulando os quintais dos vizinhos para roubar goiaba madura ou marilana, fruta que nem mais se vê. De madrugada, meu pai fazia o café e trazia mingaus de tapioca e banana comprida do mercado, dentro de latas de leite em pó, bem polvilhadas de canela, um deleite. O Damião passava com seu tabuleiro, gritando alto e oferecendo o "pão de milho" feito de milho de verdade, ensopado de leite de castanha...

Na 06 de Agosto tinha o campo do "seu" Domingos, onde em algumas épocas do ano, todos iam para tirar galinha no bingo: nos pratos de papelão, lá estava a galinha assada, com farofa e azeitonas em volta, embrulhadas em papel celofane colorido, manjar dos deuses para os nossos olhos de criança. Nos finais de semana, vez por outra íamos para o Cine Recreio ou para os cinemas "do outro lado", assistir velhos filmes de faroeste, do Zorro ou do Tarzan.

Quando comecei a ir para a escola, frequentei o Menino Jesus, situado no Primeiro Distrito. Descíamos a escadaria na beira do rio e íamos, uma turma de meninos, dentro de uma canoa, acompanhados da saudosa Ivinha. Não havia ponte nesta época e a travessia era um momento de pura magia, acompanhando os remos que devagar nos levavam de uma margem à outra do rio. Na merendeira rosa de plástico, azul para os meninos, o Q-suco vermelho junto com pão e manteiga.

Depois, foi o tempo do CNEC, já no Segundo Distrito, junto com as queridas irmãs Clemens, Juliana, Cláudia, Madalena e tantas outras, que acompanharam nossos passos com maestria. À hora do recreio, só faltávamos endoidar a irmã Juliana, miudinha, sem ter como acudir aquela quantidade de alunos famintos. Minha merenda era uma só: coca-cola e saltenha, soltando fumaça de tão quente, aquele creme grosso com frango e batata acalmando um pouco a fome adolescente.

Para quem não conhece a geografia local, para chegar ao CNEC, todos os dias passava eu margeando o rio, acompanhando várias lojas antigas, entre os quais a farmácia do meu avô Lopes e a mercearia do meu avô Raimundo, ali perto do Cine Recreio. Meu avô Raimundo nos enchia os bolsos de balas ao passarmos para tomar a benção, o que fazíamos sempre a caminho da escola, já de olho comprido nas guloseimas.

Meu avô Raimundo também tinha o Hotel Libanês, atrás da mercearia e de frente para o clube Tentamen, reduto histórico das famílias antigas de Rio Branco, onde aconteciam  bailes de carnaval  e onde minha mãe me levava para tardes de confete e serpentina, nos bailes infantis puxados à marchinhas e fantasias.

Olho para trás e vejo todas essas boas lembranças em um momento de grande felicidade, onde passo a trabalhar na Fundação de Cultura Elias Mansour, um prédio restaurado, ao lado do também restaurado Cine Teatro Recreio, de frente para o rio que me acompanhou por grande parte da minha vida. Revejo nesses espaços minha família, meus sonhos de criança e escuto o barulho do vento me falando de energia e renovação. Não poderia estar em lugar melhor. Não poderia estar em lugar mais aprazível. Não poderia estar mais feliz.


Bolinho caseiro de arroz

Ingredientes

Arroz cozido, de boa qualidade, com alho, macio
Uma pitada de sal, se necessário
Óleo para fritura
Molho de pimenta, para acompanhar

Modo de Fazer

Coloque o arroz cozido em uma tigela grande (o arroz deve estar macio. Caso utilize arroz feito no dia anterior, leve-o à panela, com um pouco de água e sal e cozinhe até ficar macio) e amasse-o com as mãos até que os grãos se desfaçam e se forme uma massa que pode ser moldada. Forme pequenos bolinhos e frite-os poucos por vez, em óleo quente e limpo. Retire-os e coloque-os em papel toalha. Sirva-os quentes, acompanhados de pimenta ou como complemento no almoço ou jantar. Se desejar, pode recheá-los antes de fritar com carne moída já pronta, pedaços de queijo ou outro recheio de sua preferência. Também pode acrescentar colorau ou cúrcuma à agua do cozimento, para dar cor. Bom apetite!

domingo, 1 de janeiro de 2012

SEU JOÃO E DONA MARISANTA

O manjar árabe, com pistaches e amêndoas...
Sou otimista por natureza, mas não compartilho aquela ideia de que ano novo significa necessariamente mundo novo, pessoas novas, amor e paz...  Penso que antes depende de nós e daquilo que fazemos para que um novo ano seja realmente diferente naquilo que não foi tão bom. Mas, acredito sinceramente no esforço coletivo por dias melhores e sendo assim, procuro contribuir com a minha humilde parcela e aí, nada que um docinho carinhoso não ajude.
Passamos a entrada de ano na casa de meus pais, dois verdadeiros guerreiros, como diz meu marido e, cada um a seu modo, tão engraçados ao enfrentarem os problemas cotidianos do dia a dia que se eu fosse esperta, sentava do lado e saía anotando as pequenas e grandes lições de vida que eles nos apresentam. O que dizer, por exemplo, dos minutos que meu pai dedicou à limpeza de um garrafão de água que ele sabia não poder colocar no suporte?
Quando eu, incauta marinheira, o adverti disso, pedindo para que o jovem saudável do recinto pudesse acudi-lo (meu filho, pois os demais quarentões nem de longe estavam em condições) ele riu e apenas disse: “minha filha, era só a limpeza, eu já ia chamar meu neto...”.  Eu nem precisava me antecipar, mas como os dois (pai e mãe) esquecem que são velhinhos, fazem coisas que até Deus duvida...
Minha mãe é uma formiguinha carpideira, daquelas que não sabem a hora de parar. Eu até esqueço que ela é mais velha do que eu  pois, confesso, fico cansada antes. Os quase 77 anos não a impedem de dirigir o seu carrinho e junto com meu pai fazerem pequenos passeios e terem uma relativa independência. Meu pai, mesmo depois de um AVC que o deixou com algumas sequelas motoras, continua com a língua afiada e preside, ali na Seis de Agosto, o que ele chama de DIVA (na intimidade: Departamento de Informação da Vida Alheia...).  Existe uma outra “entidade”: a FSD, Federação dos sem Dinheiro, integrada por lisos. Mas ele, radicalmente, faz questão de dizer que não a integra.
Esta é a maneira divertida que ele achou para prosear com os vizinhos,  alguns tão antigos quanto eles  na rua que me viu nascer (meus pais moram há aproximadamente 48 anos no mesmo lugar, mas minha mãe, filha do saudoso farmacêutico  “Seu” Lopes, está na rua há mais ou menos 77 anos). Ele está sempre com um sorriso matreiro no rosto e uma piada pronta, disparando uma risada gostosa de quem olha para a vida sempre  pelo lado do copo cheio.
É ele quem levanta cedo e faz o café, compra o pão e mesmo com certa dificuldade, caminha todos os dias pela rua, cumprimentando os passantes. Mamãe, fiel guardiã, está ali sempre a postos para levar o joguinho da Loto, da Sena... E puxar as orelhas dele, pois o danado é matreiro. Mesmo sem poder, descobrimos que escapava quase todos os dias para comer “quebes” e tomar tacacá pela vizinhança...
Os dois são ótimos cozinheiros, cada um na sua especialidade. Dele são o feijão com jabá e banana comprida, o rabo de galo (massa de pastel frita com goiabada dentro, mergulhada em calda de açúcar), os pastéis e o pirarucu no leite de coco, os maxixes peruanos recheados... (com a doença do meu pai, os charutinhos passaram a ser feitos pela minha mãe).
Da mamãe vem o lombo cheio (com farofa e ovo cozido) e as panquecas com molho de cenoura, o arroz de forno (camadas de arroz branco intercaladas com um refogado de banana e batata fritas, ervilhas, azeitonas, molho de tomate), o manjar branco com ameixas e a famosa torta de café, uma espécie de tiramisù mais docinho, amado até hoje na família.
Mas mamãe também escapole e é preciso vigilância para que não se embrenhe nos doces. Não resiste a um bolinho caseiro e ontem se acabou no pudim e no manjar árabe (m’hallabye), receita feita na base do experimento, mas que, humm, deu certo!    
Manjar árabe (m’hallabye)
Ingredientes:
1 litro de leite
6 colheres de sopa de açúcar (ou a gosto)
4 a 5 colheres de sopa, rasas, de amido de milho
2 colheres de sopa de água de rosas (essência comprada em lojas de produtos árabes)
3 pedrinhas de misk (opcional, também comprada em loja de produtos árabes)
Pistaches levemente torrados, sem sal
Amêndoas cruas, sem pele
Geléia de damasco de boa qualidade, comprada pronta ou damascos cozidos com água e açúcar, processados até virar uma pasta

Modo de fazer:

Coloque o leite para ferver, junto com o açúcar e as pedrinhas de misk, se usar. Dissolva o amido de milho em água ou leite e acrescente cuidadosamente à panela, mexendo sempre. Ao engrossar, cozinhe por mais cinco minutos e acrescente a água de rosas. O ponto deve ser de um mingau grosso, que ao esfriar, ficará encorpado, mas não no ponto de corte.
Despeje em uma vasilha bonita e por cima, delicadamente, coloque a geléia de damasco. Enfeite com os pistaches e amêndoas. Espere esfriar e coloque em geladeira. Sirva bem gelado.