Faz um pouco mais de dois anos desde a última vez em que escrevi aqui no blog. Nesse período, mudei de casa e de cidade, reencontrei velhos amigos e fiz novos, passei por muitas incertezas e finalmente, quando as coisas estavam começando a entrar nos eixos e as maiores tempestades já haviam me levado para mares mais calmos, veio a pandemia.
De uma hora para outra, sentimentos de impotência e fragilidade, revolta com políticas públicas inexistentes, estupor diante da posição de alguns governantes tornaram-se parte do meu dia. Um dos meus divertimentos desde sempre, o hábito de frequentar feiras e mercados e passear em supermercados (sim, você leu direitinho), caiu por terra e tudo que sobrou foi olhar pela janela do apartamento e agradecer sempre por poder ficar em casa, enquanto tantos, incluindo meu filho mais novo, precisam ainda se arriscar diuturnamente em meio a uma tragédia que parece não ter fim.
Se por um lado sobrou desesperança, aos poucos todos esses sentimentos ruins foram sendo minimizados por histórias e atitudes absolutamente belas de solidariedade, amor ao próximo e empatia. Afinal, o livre arbítrio ainda existe para nos dizer de que lado podemos e queremos ficar. Certamente o meu não é o do negacionismo irresponsável perante uma doença dessa proporção. E se todos devemos nos alimentar, (com comida e cultura, principalmente), seria ótimo que quem de direito de fato ajudasse com financiamentos a juros mais baixos e análise de risco quase ou apenas inexistente.
Estamos todos no mesmo planeta e não vamos poder fugir para nenhum lugar. Portanto, que mal faz ter empatia e de fato sermos solidários uns com os outros? Doe o que você puder. Doe roupas, doe recursos, doe afeto. Faça dois pães, leve um para o seu vizinho. Asse biscoitos, coloque alguns numa caixinha e doe para alguém que precisa saber que há esperança. Enfrentemos juntos e coletivamente esse grande desafio da pandemia, para manter-nos vivos e com a mente ainda sã.
Ontem tive duas experiências que me motivaram a tentar voltar para o blog. Talvez esse tom seja meio de desabafo, de retomada meio torta do que talvez seria um reinício poético, delicado, com receitinhas afetuosas. Mas o momento pede que se coloque para fora, que se grite em silêncio por dias melhores. E é isso que estou tentando fazer.
Uma das experiências foi ver pela televisão uma garota, ilustradora, relatar a perda da avó para o Covid-19, de forma rápida e sem despedida, deixando a todos sem chão. Com o avô recuperado, a família tenta reagir à saudade e a neta fez um lindo e tocante relato do adoecimento da avó, em quadrinhos. Para alertar as pessoas, homenagear a avó e mostrar a necessidade de não minimizar tão mortífera doença.
A entrevista dela, tão singela, emocionou a equipe e também a mim, que fui às lágrimas. Uma das frases me fez pensar sobre quão imensa pode ser a dor, ao se manisfestar nos pequenos detalhes do cotidiano, quando ela disse que no almoço do dia dos pais, sequer sabiam, a família, onde estavam os talheres de festa, coisa que só a avó cuidava. E, nas ilustrações da neta, aparece também o caderno de receitas da avó, legado de afeto e cuidado, carregado de amor.
A segunda experiência foi meio que surreal. Na esquina de uma rua que desemboca numa grande avenida, lotada de carros, olhava eu despreocupada esperando a vez de entrar. De repente, um gato preto tentou atravessar a avenida, em meio à enxurrada de carros. Vi horrorizada o choque dele com a frente de um carro branco. Sem acreditar, vi o bichano levar a pancada e milagrosamente despencar para o lado, serpentear entre os outros carros e passar correndo pela lateral de onde eu estava.
Pensei naquela máxima tão conhecida de que os gatos tem sete vidas. Bom, eu consegui ver a recuperação de uma delas, pelo menos, posso atestar. De cara, fiz um paralelo com minha própria existência. Tantas vezes levamos porradas e tombos que nem imaginamos como levantar e aí, assim como aquele gato, o instinto de sobrevivência, a sorte, o Universo e a resiliência conspiram e nos fazem dar um salto para a vida novamente. Tenho esperança de que isso ocorra com essa pandemia e esse sentimento de retomada possa fazer parte de todos nós.
E não, isso não é autoajuda. Não tenho o hábito de ler livros milagrosos, embora respeite muito quem os lê. Isso é só um singelo agradecimento por estar aqui, bem, contando essa história. E um pedido ao Universo para que continue protegendo minha família, os amigos e toda a humanidade desse flagelo. Façamos a nossa parte bem. Usemos máscara, não nos aglomeremos, saiamos apenas quando necessário. Isso faz a diferença.
E nesses tempos bicudos, uma receitinha com a estrela dessa pandemia, o pão. Nunca se fez tanto pão como agora, onde para minha alegria, muitas pessoas estão descobrindo o prazer de saborear uma fornada quentinha, dietas ao vento. Então, mãos à obra:
Meus rolinhos de canela
Ingredientes
Para a massa
4 1/2 xícaras de farinha de trigo sem fermento
2 colheres de chá de fermento biológico seco
1 1/4 xícara de leite integral
1/2 xícara de açúcar refinado
1/4 xícara de manteiga sem sal (de preferência), em temperatura ambiente
2 colheres de chá de sal (se usar manteiga salgada pode reduzir um pouquinho)
2 ovos médios em temperatura ambiente
1 colher de chá de cascas de limão raladas (zestes)
Para o recheio
40g de manteiga sem sal
70g de açúcar mascavo escuro
6 a 7g de canela em pó, ou a gosto
Para a cobertura
1 xícara de açúcar de confeiteiro
2 colheres de sopa de água quente (talvez uma a mais, se quiser mais fino)
1 colher de chá de manteiga
Modo de fazer
Para a massa
Numa vasilha, misture 2 xícaras de farinha com o fermento e reserve. Numa panela aqueça o leite, manteiga, sal e açúcar, somente até derreter a manteiga. Despeje sobre a farinha com o fermento, acrescente os ovos e as casquinhas de limão e mexa bem. Se fizer na mão, sove até ficar bem agregado. Na batedeira, com o gancho para pão, uns 3 a 4 minutos. Acrescente o restante da farinha e sove até ficar uma massa bem elástica, que não se rompa, o chamado ponto de véu. Na batedeira, vai demorar bem menos e a massa deve ficar descolando do gancho, bem hidratada. Na mão, demora mais um pouco. Forme uma bola, coloque numa bacia, cubra com pano de preferência sem tocar na massa e deixe crescer até dobrar de volume.(A depender do tempo, pode demorar de 30m a 1h, aproximadamente). Abra a massa no formato de retângulo, espalhe o recheio com delicadeza e vá enrolando como se fosse um rocambole, sem apertar demais.Corte tiras não muito largas no sentido da altura (o lado menor do retângulo) e enrole, arrumando cada tira enrolada em assadeira untada e polvilhada com farinha, deixando um espaçamento entre eles. Se desejar, pressione a extremidade para baixo do rolinho para que não se solte após assar. Deixe crescer até dobrar de tamanho. Na metade desse tempo, ligue o forno em temperatura média. Assim que completar o crescimento, coloque com cuidado a assadeira no forno, que não deve estar frio nem quente demais. Deixe assar e se necessário, vire na metade do cozimento. Se o seu forno for como o meu, desregulado, é preciso estar atento, mas entre 10 a 15m devem ser suficientes, ou mais um pouco. Ao tirar a assadeira do forno, derrame sobre cada um um pouco da cobertura e retire-os imediatamente para uma grade, para que esfriem sem estar em contato com o funda assadeira, se não podem criar vapor. Se nâo tiver uma grelha apropriada, use a grelha do forno.
Se aguentar, espere esfriar e pense que a vida tem muitos lados bons. Rolinho de canela é só um deles!
Para o recheio
Misture todos os ingredientes até virar uma pastinha, leve para gelar e aplique na massa, quando for enrolar.
Para a cobertura
Misture todos os ingredientes um pouco antes dos rolinhos ficarem prontos e aplique com eles ainda bem quentes.