Apesar da preguiça, fiquei observando as pessoas e os fragmentos de vida passando por mim, num contentamento enorme de ter conseguido sair de casa. Ali era alguém ligando para o amigo pelo filho que está quase para nascer. Mais na frente, uma moça de forte sotaque paranaense combinava uma saída com amigos regada à baião de dois e outros quitutes. Uma garota advertia ao amigo, incapaz de a acompanhar: "Olha, eu nem estou andando no meu passo rápido!", ao que o rapaz, esbaforido, tentava não ficar por baixo. Não, eu não estava bisbilhotando, o volume das conversas estava alto e por não ter como não ouvir, fiquei mergulhando nessas histórias.
Muitas crianças, bicicletas, famílias inteiras com suas cadeirinhas, adolescentes tirando selfie e até mesmo um jovem arrasando na pista com uns patins de rodas fluorescentes. Grupinhos de amigos se reúnem ao longo da pista para bater papo, quando a preguiça de caminhar é igual à minha. As pessoas se apropriaram mesmo dessa linda pista de caminhada, próxima da Ufac e com alguns quiosques para matar a sede e a fome. Fiquei feliz de ver como políticas públicas bem aplicadas podem atingir de forma boa a tantas pessoas e a quantidade cada vez maior de desportistas, de todos os tipos.
Acho que já disse por aqui, mas se não, digo agora. Meu paladar é instável. Passo longos minutos ouvindo o que meu corpo gostaria de comer nesse ou naquele momento. Vou construindo e desconstruindo pratos que às vezes se transformam num simples prato de feijão com molho de pimenta, porque é o que o corpo pede, deliciado. Só não posso ter fome. Porque se ela bater e eu não souber o que vou comer no momento seguinte, tudo pode acontecer.
E desde ontem estava sonhando com moqueca, mas não queria peixe, frutos do mar, caju ou banana. Meu sonho mostrava pedaços de abacaxi suculento, maduro, cozido em um bom leitinho de coco feito em casa, degustado com um pirãozinho...preciso dizer que não conheço abacaxi melhor do que o nosso. Ele é bem amarelo, muito doce e com um sabor excepcional. Havia o risco de adocicar o prato, mas como gosto de sabores com doce e salgado, resolvi arriscar.
Meu marido criou entre nós um lembrete muito particular. Quando ele gosta muito de algo que cozinho ele me olha e diz assim: "Patrycia, 04 de abril". Nesse dia, estávamos em Paris numas férias longamente planejadas. E comíamos um pão de fermentação natural de uma loja famosa. Acho que nunca vou esquecer o orgulho que tive, ainda que descontados o natural incentivo familiar quando ele, ao provar o pão, disse que o meu tinha um sabor muito semelhante e para ele, até melhor.
Meu marido não é gourmet e até se impacienta se falo muito de comida ou produtos. Mas de tanto conviver com outros sabores aqui e acolá, criou suas próprias referências e fiquei me achando. Desde então, ele, que não gosta de sabores doces e salgados no mesmo prato, me surpreendeu hoje. E adorou a moqueca. Servi uma colher a cada um dos três jovens estudantes de jornalismo que vieram entrevistá-lo aqui em casa, com um pouco do pirão. Eles sentiram o sabor do abacaxi ao final e também gostaram muito.
Ressalto que é um teste e como tal, aplique o seu gosto pessoal. Para mim, apesar de ter usado a fruta madura, não senti doce em excesso. Tiraria um pouquinho do azeite de dendê apenas. Então, mãos à obra e surpreenda sua família com este prato!
Moqueca de Abacaxi Fresco com Leite de Coco Caseiro e Pirão
Ingredientes
Para o leite de coco caseiro
01 xícara de chá de coco fresco em pedaços, sem a parte marrom
02 xícaras de água fervente
Para a moqueca
02 colheres de sopa de azeite
1 1/2 colher de sopa de azeite de dendê (sugiro usar apenas 01)
03 colheres de sopa de cebola branca, picadinha
03 colheres de sopa de cebola roxa, picadinha
1/2 colher de sopa de alho batidinho
02 xícaras de chá de abacaxi fresco, maduro, picado
01 tomate médio bem maduro, sem as sementes, cortado em oito pedaços
02 colheres de sopa de chicória picadinha
02 colheres de sopa de cebolinha picada
pitadas de coentro picadinho
1/2 colher de chá de coco fresco ralado (opcional)
sal a gosto
Aproximadamente 02 xícaras de leite de coco fino, caseiro
Para o pirão
Aproximadamente 1 a 1 1/2 xícara do caldo da moqueca
Farinha de mandioca o quanto baste (usei um pouco menos de 1/4 de xícara), a depender do gosto, se mais mole ou mais espesso
Modo de fazer
Para o leite de coco
No liquidificador, coloque o coco e a água fervente. Bata bem, com cuidado para não espirrar. Passe em peneira fina, sem apertar. O resíduo (coco ralado), use para outra preparação.
Para a moqueca
Numa panela de fundo grosso, coloque o azeite, o azeite de dendê, 02 colheres de sopa de cada uma das cebolas(branca e roxa) e o alho e deixe fritar um pouco, sem queimar. Arrume os pedaços de abacaxi na panela e as fatias de tomate. Por cima, salpique 01 colher de sopa de chicória e 01 de cebolinha, além das pitadas de coentro. Polvilhe com sal a gosto. Acrescente o leite de coco e deixe cozinhar um pouco. Ajuste o sal e coloque por cima 01 colher de sopa de cebola roxa, 01 de cebola branca, 01 de chicória e 01 de cebolinha. Tampe e deixe cozinhar. Prove e assim que o abacaxi cozinhar, desligue o fogo.
Para o pirão
Retire com cuidado cerca de 1 a 1/2 xícara do caldo de cozimento, deixando um pouco na moqueca. Coloque esse caldo em uma panelinha, deixe ferver e acrescente a farinha de mandioca em chuva, mexendo bem para não empelotar. Cozinhe até ficar bem cremoso.
Para servir
Sirva com arroz branco e uma boa pimenta. Dá aproximadamente três a quatro porções. Se desejar, ao invés do pirão, faça uma farofinha com um pouco de dendê, azeite e manteiga.
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Para saber mais:
Come-se - blog da Neide Rigo, pesquisadora e nutricionista, que também escreve para o caderno Paladar, do Estadão. https://come-se.blogspot.com.br/