Bolo de chocolate, calda de café e chocolate, doce de cupuaçu com cointreau e raspinhas de cumaru ralado |
O ano era 1988 e eu estava prestes a dar à luz ou parir meu primeiro filho, o Ian, hoje com 29 anos. Eu tinha me mudado do Acre para o Ceará no ano anterior e embora desde pequena adorasse cozinhar e inventar coisas, nem de longe esta era uma atividade rotineira na minha vida, naquele momento. Os diversos movimentos políticos dos quais eu fazia parte, o trabalho e a faculdade tinham me afastado enormemente daquela paixão infantil que sempre tinha sido uma zona de conforto poderosa para mim.
Daí veio a mudança e lembro bem que nesta época minha cartela de pratos era extremamente limitada: café, o arroz soltinho e com bastante alho que meu pai tanto gostava e a maionese rigorosamente feita à mão e com todas as verduras e legumes muito secos para não desandar. Eram as minhas especialidades. Eu também fazia um chocolate quente muito bom e apreciado pela família, com uma bela camada de claras batidas, ideal para os dias de chuva. E aprendi com a minha avó materna uma cobertura de bolo deliciosa, feita de açúcar e manteiga, castanhas torradas e café.
Quase no dia da minha partida para o Ceará, meu pai, exímio cozinheiro, me ensinou a enrolar charutos, aqueles rolinhos de couve ou repolho recheados com uma mistura deliciosa de carne e arroz e cobertos por um belo molho de tomate, este uma contribuição acreana ao prato árabe tão ao gosto aqui da terra. E com estes ases na manga lá me fui, sem muita preocupação em aprender novos pratos.
Quem já engravidou sabe: às vezes, aparece uma fome inexplicável, uma vontade que nem posso chamar de desejo, mas que tem que ser preenchida, lá isso tem. Eu sempre fui de andar léguas para comer o que queria. E nem adianta, não consigo comer a mesma coisa todo dia. Não tenho luxos, mas a comida precisa ter aquele cheiro que nos dá a certeza de que cada mordida vai nos deixar leves, felizes. Às vezes é uma sopa, uma salada, um ovo quente. Outras, o prato completo. Mas o frescor tem que estar presente.
E eu comecei a experimentar novos sabores e aqui e ali, me arriscar na cozinha, de forma muito, muito leve. E lembro bastante do dia em que fui para a maternidade, pois tinha feito uma linda salada de frutas e um bolo delicioso de chocolate, que nem lembro de onde arranjei a receita, mas havia me empanturrado. Aos poucos, depois do nascimento do Ian, não era só uma mãe que tinha nascido junto. Uma outra Patrycia havia aproveitado e tinha vindo resgatar uma paixão antiga e adormecida. Foi com o Ian e depois com o Mateus, que recomecei a cozinhar.
E hoje, tantos anos e tantos bolinhos depois, entrei na cozinha com vontade de comer um bolo de chocolate. Perfumado, saboroso, sem tanto açúcar. Resolvi arriscar e não pesquisei receita nenhuma, só segui a intuição. O resultado não podia ter me agradado mais. Puro, com um belo café, ficou na mesa da sala exalando o cheiro delicioso de um bom chocolate.Com uma bela calda e um pouco de doce de cupuaçu virou uma sobremesa deliciosa, de lamber o prato. Aproveite e se desejar adoçar um pouco mais a calda, fique à vontade, afinal, o gosto é seu!
Meu primeiro bolinho de chocolate autoral
Ingredientes
Para o bolo (forma pequena)
100 g de manteiga sem sal
1 xícara de açúcar mascavo escuro sem grumos (se necessário, passe em peneira ou bata no liquidificador)
1 pitada de sal
02 ovos em temperatura ambiente
150 g de chocolate meio amargo a 60%, derretido
3/4 xícara de leite com o suco de 1 limão pequeno
1/4 fava de baunilha (opcional) - não achei que sobressaiu na massa
01 xícara de farinha de trigo peneirada
1/4 xícara de amido de milho
Nibs de cacau (opcional)
1/2 colher de sopa de fermento químico
Para a calda (opcional)
100 g de chocolate meio amargo a 60%
01 espresso de média intensidade longo (aproximadamente 110 ml). Na falta, use a mesma quantidade de um café forte
01 colher de chá de manteiga sem sal ou ghee
01 colher de chá de açúcar refinado
01 pitada minúscula de sal
1/4 de xícara de creme de leite (usei de caixinha)
Para o doce de cupuaçu
2 1/4 xícaras de polpa fresca de cupuaçu cortado na tesoura batido no liquidificador sem água (na falta, use a polpa, adaptando)
2 1/4 xícaras de açúcar refinado
1/4 xícara de licor de laranja Cointreau
(pode ser necessário colocar mais açúcar, a depender da acidez da polpa)
Fava de cumaru ralada na hora, para finalizar (na falta, se quiser, pode usar um tico de noz moscada)
Modo de fazer
Para o bolo
Unte e enfarinhe uma forma de bolo pequena, de buraco no meio. Ligue o forno a 180 graus. Separe todos os ingredientes e leve o chocolate para derreter em banho-maria ou no microondas. Na batedeira, coloque a manteiga e o açúcar e bata bem. Acrescente a pitada de sal e os ovos, um de cada vez. Acrescente o chocolate derretido e misture bem. Junte o amido com a farinha e acrescente à massa apenas a metade. Dê uma leve mexida e coloque metade do leite misturado com o suco de limão. Se usar a baunilha, acrescente. Junte a outra metade de farinha e amido e o restante do leite com o limão e misture apenas para homogeneizar. Acrescente os nibs de cacau, se usar e o fermento, misture levemente e coloque na forma preparada. Leve para assar até que enfiando um palito saia seco, mas não deixe secar demais no forno.
Para o doce de cupuaçu e cointreau (que pode durar bastante na geladeira, caso não use todo)
Numa panela de fundo grosso, misture o cupuaçu e o açúcar. Mexa sempre para que não queime, ele deve ficar ainda claro. Acrescente o cointreau e mexa até dar o ponto. Não deixe escurecer e ajuste o açúcar, se necessário. Reserve.
Para a calda de chocolate (opcional)
Numa tigela quebre a barra de chocolate em pedaços pequenos. Acrescente a manteiga e o café espresso quente (ou o equivalente, bem forte) e mexa até derreter. Leve ao banho-maria e junte a pitada de sal, o açúcar e o creme de leite. Misture bem até homogeneizar e cubra com filme plástico encostando para não criar película. Se desejar, pode servir quente por cima do bolo.
Para a montagem
Em um prato, passe um pincel na calda e decore o prato. Por cima, coloque a fatia de bolo, uma colher bem cheia do doce e um pouco da calda numa tigelinha ou pequena xícara. Rale um pouco do cumaru ou noz moscada e sirva.