As madalenas, prontas para serem degustadas... |
Já faz uns dias que me pego a olhar pequenas crianças na rua, grudadinhas no colo de seus pais ou orgulhosamente acompanhando familiares às compras, ao cinema ou ao supermercado. Lembro dos meus pequenos grandes meninos e parece que foi ontem que estava a levá-los para a escola e acompanhando-os nas pequenas tarefas do dia-a-dia. Acho que nem fui uma mãe lá muito paciente. Muitas vezes só faltava surtar com a energia deles sempre a 220 volts, principalmente o hoje calmíssimo filho mais velho.
Mas também lembro das inúmeras vezes em que havia um bolo fresco e cheiroso a esperá-los para acompanhar o café, o suco sempre feito de frutas naturais e o cheiro do pão se espalhando pela casa. Eles não cozinham muito, mas sempre rio de uma ocasião em que o mais velho meteu a colher em um pudim feito fora de casa e torceu o nariz na mesma hora. "Não era o seu, mãe, tinha gosto de farinha!".
Agora que moram longe, se viram para improvisar um bife ou massa ou um sanduíche com café e leite, com cuidado para não perder os horários. O mais novo mal tem tempo para respirar. De noite, segundo ele, sobrevive de Miojo e café, o que me faz arregalar os olhos e rezar para que pelo menos o café da manhã e o almoço sejam mais saudáveis. O mais velho já fez todas as contas e só cozinha aos fins de semana, para economizar tempo e dinheiro. Mas já descobriu os cantinhos de se alimentar com comida caseira durante a semana e quando precisa, faz um belo molho de tomate para acompanhar a massa.
O mais novo é o rei do café preto, forte e escuro, mas também adora um bife, que frita muito bem. Além disso, na ausência de batedeira é o meu boleiro preferido. Reclama, mas atende direitinho às instruções. Não come quase nada de doces, mas isso o irmão mais velho compensa direitinho. Em compensação, devora os pratos enormes que a idade permite e ainda está na fase de não engordar uma grama. Ah, os vinte anos...que ele ainda vai fazer...
Lembro de mim, quando criança, sempre de olho na cozinha. Meu pai fazia um ótimo pirarucu ao leite e charutos como ninguém. Eu, menina magrela e nojenta para comer, só gostava de arroz e bife. Comida misturada no prato, nem pensar. Cada bocado, aliás até hoje, é levado um por um à boca. A mistura se faz aí, nunca antes. Não comia farinha, nem ovo, o feijão só o que meu pai fazia, com banana comprida e jabá, numa tigelinha separada. Ah, o sabor daquele feijão gorgotuba de caldo grosso, com os pedaços de charque salgada dividindo o espaço com a banana mais doce e macia...de comer rezando!
Meu pai nos obrigava a comer salada, ou melhor, o que havia disponível naquela época. Lembro que no prato não faltava alface meio amarguenta, tomate, batata e o repolho, meu preferido, porque ele o cortava finíssimo. Eu juntava muito vinagre e comia pratos imensos, mas era só. Ainda bem que não ficamos traumatizados com os verdes, pois a punição para quem não comia era severa.
Para compensar, havia os aniversários. Não, não era qualquer aniversário. Eram os aniversários de antigamente, simples, até mesmo frugais em comparação com os de hoje, mas que diferença! As balas eram caprichosamente embrulhadas com papel de seda, cortados de um por um, cheios de lindas franjas, assim como os papéis para bom-bocados, mais difíceis de fazer e que ficavam lindamente pendurados pela mesa, atiçando a imaginação dos pequenos. E nada de bombom embrulhado, por favor! As balas eram artesanais, feitas de maracujá, leite, chocolate, coco ou cupuaçu, pequenos quadradinhos de céu.
Os bom-bocados eram quase sempre os últimos a serem distribuídos, disputados nas suas belas rendas. Havia os olhos de sogra, um docinho feito de ameixa e doce de coco ou leite condensado, olhos grandes e esbugalhados, sempre abertos, mas verdadeiramente deliciosos! Até hoje não me contenho quando os vejo, mas não existem mais nos aniversários modernos. É preciso fazê-los em casa para sentir-lhes o sabor e a infância correndo ao lado.
Havia os biscoitinhos molhados no chocolate até a metade para quem tinha sorte de ir em grandes festas, mais refinadas. Os casadinhos, recheados com goiabada e embrulhados em papel celofane vermelho, ficavam bonitos de ver e mais ainda na boca. Lembro das biribas, com coco e uma tirinha de ameixa e dos beijinhos, feitos com coco e um cravo, como bem diz minha tia Myosote, para dar sabor, mesma função nas madalenas. Ah, as madalenas!
Um bolo fofinho, depois mergulhado em uma calda de maracujá que o deixava bem encharcado. Depois de secar um pouco, era passado no açúcar cristal e ganhava um cravinho. Lindamente enfeitado, ia brilhar na mesa até que fosse dada a ordem para o ataque. Na minha casa não fazíamos todos estes doces. Eu era bem pequena e minha mãe gostava mais de comê-los, embora fizesse balinhas de leite, chocolate e cupuaçu. Mas de uma coisa ela fazia questão: o bolo de aniversário feito pela dona Zita ou dona Corina, quituteiras das boas. Havia o de ameixa, coberto de glacê branco e o meu preferido, recheado de ameixa e coberto de doce de leite, uma verdadeira perdição.
Dona Corina, segundo minha mãe, fazia deliciosos bom-bocados, encomendados para nossos aniversários de criança. Quando minha avó materna, mestra de doces e salgados, estava conosco, fazia um bolo delicioso, cuja receita já fiz por aqui (veja em http://mesanafloresta.blogspot.com.br/2014/11/queridos-que-se-foram.html). Coberto com um glacê a base de manteiga, açúcar, castanha e café, é de sair da dieta sem olhar para trás. Os bolos sem glacê eram cobertos com papel de seda colorido, todo picotado a mão, formando belos desenhos, cada um mais bonito do que o outro.
Minha avó materna também era das boas. Em seu pequeno hotel, servia refeições, "dava pensão", como se diz por aqui. Dela, lembro bem de duas guloseimas: o frango assado para os bingos, com azeitonas e farofa, envolto em papel celofane e um docinho, cujo sabor reencontrei mais de quarenta anos depois, no casamento de um primo. Lembro de mim, tão pequena que sequer alcançava a mesa, tentando pegar balinhas brancas recheadas de cupuaçu, numa mesa da casa da minha avó, em um aniversário. Descobri depois ser provavelmente doce de cupuaçu coberto de fondant e só o comi novamente nesse casamento, um manjar dos deuses.
Havia os salgados, é claro. Mas destes, dos que mais me lembro em minha casa, eram as famosas empadinhas da Iva, mãe do Fabiano, que foi dono por muitos anos de uma sorveteria que fazia o melhor sorvete de cajá que eu já tomei, ao ponto de por várias vezes, exagerar como só os muito jovens conseguem fazer e tomar quatro de uma vez só.
As empadinhas chegavam em tabuleiro de madeira, douradas e suculentas. Os canudinhos e pastéis da Maria Alencar também fizeram história e um dos pratos servidos para os adultos eu lembro bem: arroz feito na água fervente, escorrido numa grande peneira e misturado com manteiga, frango de terreiro bem desfiado, a farofinha e o vatapá, sempre de camarão. Camarão de lata, claro, que aqui e ali a gente dava um jeitinho de comer escondido, com o sal a nos encher de lágrimas os olhos.
Não lembro de outros pratos também muito comuns nessa época, como galinha picante e a famosa rabada e pato ao tucupi. Não eram feitas nos nossos aniversários, mas com certeza faziam parte e ainda fazem das festas de hoje, entre vários outro pratos.
Precisamos sempre resgatar e cultivar nossa memória. Ela nos diz quem somos, de onde viemos e para onde pretendemos ir. Por isso, trago aqui a receita das madalenas, um dos doces preferidos de minha mãe e suas irmãs. Eu as fiz em forminhas de empada e de pequenos bom-bocados, mas pode ser feita em assadeira e cortada em pequenos quadradinhos, como era servida no meu tempo de criança. Usei uma receita antiga de uma senhora paraense, publicada na revista Cláudia Cozinha de mar/95.
Escrevi o título desse post para homenagear dona Chloé Loureiro, acreana de Sena Madureira radicada em Manaus e que escreveu um livro maravilhoso, já esgotado, onde nos brinda com sua autobiografia e as receitas da sua infância, chamado Doces Lembranças. No livro, além de acompanhar suas memórias, é possível ler várias receitas do Acre de antigamente, algumas até hoje no cardápio de restaurantes e nas casas das famílias, outras que já não se vêem mais.
Meu querido companheiro conseguiu comprá-lo via internet e como só as pessoas especiais e queridas conseguem fazer, presenteou-me em 2008. Quem tiver interesse, pode enviar-me suas receitas de infância, podemos fazer aqui um belo banco de dados. Aproveitem!
(Caso queiram fazer contato, favor comentarem neste blog ou enviarem e-mail para patrycia.ac@gmail.com)
Madalenas
Ingredientes
Para o bolo ou bolinhos
01 xícara de manteiga
1 1/3 xícara de açúcar refinado
08 ovos separados
2 1/4 xícara de farinha de trigo peneirada
01 colher de sopa de fermento em pó
01 colher de chá de baunilha (opcional)
Para a calda
02 xícaras de açúcar refinado
01 xícara de suco puro de maracujá
01 xícara de água
Para passar
Açúcar cristal (ou refinado) quanto baste
Cravos da Índia, quanto baste
Modo de fazer
Para o bolo ou bolinhos
Numa tigela, bata bem a manteiga com o açúcar. Misture as gemas passadas pela peneira e bata mais um pouco. Acrescente a farinha, o fermento, a baunilha e por último, as claras em neve. Coloque a massa em forminhas altas ou de empada, ou em uma assadeira, untadas e enfarinhadas. Leve para assar em forno preaquecido a 180 graus por 30 a 40 minutos, dependendo do forno. Deixe esfriar e desenforme. Passe-as na calda fria e deixe escorrer um pouco. Após, passe no açúcar e coloque um cravinho no centro. Se fizer na assadeira, corte em quadradinhos e siga o mesmo processo.
Para a calda
Numa panela, leve ao fogo a água, o suco puro de maracujá e o açúcar. mexa para misturar e deixe ferver até engrossar um pouquinho. Desligue o fogo e aguarde esfriar. Passe os bolinhos nessa calda antes de passá-los no açúcar.
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Para saber mais:
Doces Lembranças - Chloé Loureiro, editora Marco Zero, 1a. edição, fevereiro de 1988
http://jmartinsrocha.blogspot.com.br/2012/03/residencia-centenaria-da-avenida.html